17 de dezembro de 2025

Hospital: um lugar que todo condutor deveria visitar


Por Márcia Pontes Publicado 09/03/2015 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h33
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Visita a hospitalEstá aí um lugar que todo condutor deveria conhecer: o hospital. Não só o setor de emergências, mas também a internação. Não é de hoje que políticos apresentam projetos de lei na intenção de aprovar e obrigar que todo envolvido em acidente de trânsito passe a visitar suas vítimas e outros pacientes nos hospitais. Em Joinville (SC), por iniciativa do juiz da Vara de Crimes de Trânsito, todo condutor que provoca acidente grave ou morte no trânsito tem que visitar o Hospital São José.

Recentemente, por conta da luta de minha mãe pela própria vida após um AVC hemorrágico e pneumonia, o hospital foi minha casa por 23 longos e sofridos dias, e também foram incontáveis as experiências de ver chegar ambulâncias a todo o momento trazendo pacientes vítimas de acidentes de trânsito. Foi pela ocasião do Carnaval e a cada chegada de ambulância se ouvia pelos quartos e corredores: “O Carnaval começou com sirene.”

Acidentados de moto, de carro, alcoolizados, sóbrios, politraumatizados e muitos com traumatismo craniano, motivo da metade de entradas em setores de Neurologia de hospitais em todo o país.  Enquanto aguardava na emergência, duro mesmo era ouvir o médico perguntar ao acidentado de trânsito: “estava sem cinto?” e ouvir o paciente responder: “estava.” Ou, então: “você bebeu bebida alcoólica?” e ouvir o paciente responder: “bebi”.

Nos quartos do andar onde eu estava com minha mãe, também tinha pacientes acidentados de trânsito de todo o tipo. Difícil de mensurar o sofrimento, a dor a cada procedimento ou mesmo após a medicação. Cirurgias eram feitas de emergência, adiando outras já agendadas por causas naturais. A gente não sabia o que era maior ou pior: o sofrimento dos familiares ou do próprio acidentado.

E não é só o condutor que se envolve em acidente de trânsito que deveria visitar os hospitais, mas também aquele que atenta contra a própria vida quando muitos estão lutando desesperadamente para ter uma; o pedestre, o condutor que bebe e dirige; o que abusa da velocidade; o que faz manobras perigosas…. Enfim, toda pessoa que não tem autocuidados e não cuida do outro como deveria na vida e no trânsito.

Nas incontáveis noites em claro no hospital, vendo chegar paciente atrás de paciente, alguns questionamentos vinham naturalmente. Quantas pessoas aguardavam por horas nas filas de atendimento da emergência, em visível sofrimento e com queixas de causas naturais, enquanto um acidentado de trânsito tomava o seu lugar?

Quantos leitos poderiam estar disponíveis e quantas filas de macas aguardando internação poderiam deixar de existir se acidentados de trânsito não lotassem o hospital?

Qual o custo gerado (para o hospital e para o sistema de saúde do município e do país) de medicamentos, de internação, de pessoal e de cirurgias por conta de acidentes de trânsito?

Qual o custo com os atendimentos em Ambulatórios Gerais, unidades básicas de saúde e Estratégia de Saúde da Família (ESF), locais estes para onde vai a legião de feridos e sequelados para o atendimento e reabilitação pós-hospitalar?

Qual o custo com veículos de resgate, combustível, salários dos socorristas, ambulâncias e viaturas para prestar o atendimento de socorro no momento do acidente? Lembrando que o Corpo de Bombeiros, uma instituição criada para apagar fogo, registra mais da metade de seus atendimentos a ocorrências de acidentes de trânsito.

A morte de minha mãe no hospital me fez refletir sobre muita coisa a respeito da vida e da segurança no trânsito e a principal delas é que a vida é frágil e a fragilidade do corpo humano em um acidente de trânsito é maior ainda.

Pessoas sadias, jovens, em idade econômica ativa e produtiva para si próprias e para a sociedade vão parar “de repente” em hospitais e passam a viver e a sentir todo o tipo de sofrimento por um minuto de bobeira em que não cuidaram da própria vida. Porque beberam e foram dirigir. Porque não usaram cinto de segurança. Por imprudência, imperícia, negligência, teimosia, por acreditar na impunidade, na habilidade ao volante que pensava que tinha ou por serem vítimas da inconsequência do outro.

O que mais dói é ver a dor de um pai, de uma mãe, de uma esposa, de um filho, dos irmãos, dos amigos e a dor do próprio paciente, tenha sido ele ou não o que provocou o acidente. Dói mais ainda ver a correria dos profissionais e a fala do médico: “hora do óbito…”.

Minha amada mãe seguiu o curso natural da vida e foi sepultada pelos filhos aos 79 anos, por causas naturais. Mas, muitos que continuam dando entrada diariamente nos hospitais morrerão por causas que poderiam ter sido evitadas. Morrerão de graça. Morrerão de bobeira. Morrerão antes do tempo. Morrerão sem ter tempo de se despedir. Deixarão órfãos de pai, de mãe, de filhos, de amigos, em acidentes de trânsito que poderiam ter sido evitados.

Pelo jeito, muita gente está precisando visitar e conhecer um hospital para ver de perto o sofrimento de homens e mulheres, adultos e crianças de todas as idades. Para ver de perto o estrago que faz um acidente de trânsito. Mas, acima de tudo, para entender que Segurança no Trânsito deve ser feita com planejamento e ações estratégicas entre todos: cidadãos, poder público e sociedade organizada.

Márcia Pontes

Meu nome é Márcia Pontes, sou educadora de trânsito em Blumenau (SC), Graduada em Segurança no Trânsito na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e colunista de assuntos de trânsito do Portal de Notícias Blumenews. Sou pesquisadora do medo de dirigir e dos métodos de ensino da aprendizagem veicular pelo método decomposto, desenvolvido na Suíça e difundido em autoescolas italianas.Em 2010 iniciei nas redes sociais um trabalho de Educação Para o Trânsito Online (EPTon) utilizando a força das mídias sociais (Orkut, Facebook, Blog, MSN, Twitter, Youtube) com foco no acolhimento emocional, aprendizagem significativa e dicas de direção defensiva, ética e cidadania no trânsito.Escrevo o Blog Aprendendo a Dirigir voltado para alunos em processo de habilitação nos CFC e para motoristas habilitados com dificuldades e medo de dirigir. O foco deste trabalho voluntário reconhecido internacionalmente leva acolhimento emocional, aprendizagem significativa e fundamentos de ética, cidadania e humanização do trânsito para evitar acidentes, sobretudo por imperícia.No ano de 2012 publiquei o livro digital Aprendendo a Dirigir: aprendizagem pelo método decomposto para evitar traumas e acidentes durante a (re)aprendizagem da direção veicular. Em 2013 publiquei o livro Aprendendo a Dirigir: um guia prático de exercícios para quem tem medo de dirigir.Sou apaixonada por trânsito, respiro, pesquiso cientificamente e vivo o trânsito com compromisso existencial. A principal luta da minha vida: contribuir para rever e atualizar os métodos de ensino da direção veicular no Brasil substituindo o adestramento do aluno e a memorização pela construção de conceitos e de significados sobre o ato de dirigir defensivamente.

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