05 de dezembro de 2025

Rodovias duplicadas não barram acidentes


Por Márcia Pontes Publicado 05/08/2013 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h44
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A notícia de que depois de 30 anos a duplicação da BR-470 sairá do papel e do discurso inflamado dos políticos é uma das mais comemoradas em todos os setores no Vale do Itajaí, Sul do Brasil. Serão duplicados, ao todo, os 74km no trecho que vai de Navegantes (SC) a Indaial (SC), um dos mais críticos. Em 25 anos foram 2,3 mil mortes, a maioria em colisões frontais, características de rodovias de pista única. Some-se a isso os tombamentos e perda de cargas.

A BR-470 é uma das principais artérias para o escoamento da produção do Vale por onde, diariamente, são transportadas 40% das cargas de todo o Estado de Santa Catarina. São aproximadamente 4 mil contêineres e algo em torno de 50 mil veículos, 10 vezes mais do que foi planejado para suportar. Em 2011 essa rodovia foi considerada pela presidente Dilma a “espinha dorsal de Santa Catarina”, por onde escoa a produção do Oeste do estado para os portos de Itajaí e de São Francisco do Sul.

A expectativa é de que a obra garanta a segurança dos que passam diariamente pela rodovia, mas o questionamento que lanço é: se não houver mudança no comportamento de motoristas e pedestres será que a duplicação da BR-470 vai barrar os acidentes? De que tipo?

Antes que tal questionamento possa ser mal interpretado por aqueles que eventualmente entendam que para mim “nada está bom” ou que eu seja “da turma do contra”, deixo bem claro que estou muito feliz e cheia de esperanças, na torcida para que nada atrapalhe o andamento da obra e a BR-470 seja duplicada o mais rápido possível.

Mas, como profissional da segurança no trânsito, me sinto no dever de ofício de problematizar o assunto diante de alguns discursos que tenho lido na mídia. Inclusive, as reportagens sobre acidentes em rodovias duplicadas na região de Ribeirão Preto, na AL-101 lado Sul, Rodovia Fernão Dias, dentre outras que mostram que duplicação não barra acidentes.

Com duas pistas de mesmo sentido e dispositivos utilizados para a separação física dos fluxos opostos, tais como muretas ou blocos separadores de concreto, se evitarão as colisões frontais. Mas só as colisões frontais, não os outros tipos de acidentes. Pelo menos, enquanto não se duplicar também a prudência dos motoristas e pedestres.

Por outro lado, se os elementos físicos que separam a via não forem adequados, o carro do motorista que perder o controle do veículo por excesso de velocidade baterá na mureta, voltará para a pista ou invadirá o sentido contrário.

Com a duplicação as colisões frontais, que são as mais violentas e mortais, podem até diminuir ou acabar, mas ainda vai ter muito motorista abusando da velocidade em asfalto novo, achando que não há riscos e é onde mora o perigo! Muitos motoristas acabam relaxando, se distraindo e prestando cada vez menos atenção. É onde se manifestam as imprudências, o desrespeito à sinalização da via, a desatenção e a pressa.

Ao contrário do que se pensa, os abalroamentos longitudinais e transversais continuarão existindo na BR-470 duplicada. Basta uma ultrapassagem mal calculada pela pista da esquerda e a transposição precipitada para a pista da direita para que esse tipo de acidente seja provocado.

Rodovia duplicada não impede acidentes como as saídas de pista, os abalroamentos, as colisões com objetos fixos, as colisões traseiras, as ultrapassagens mal calculadas em pistas de mesmo sentido e o atropelamento de pedestres e animais. A duplicação elimina um tipo de acidente, mas outros continuam sendo provocados.

No tocante aos pedestres, já se sabe que a obra de duplicação da BR-470 contará com passarelas, viadutos e acostamento, entre outros locais seguros para a travessia, mas quem garante que muitos pedestres utilizarão esses locais? Quem garante que, na ilusão de fazer uma travessia rápida, alguns pedestres não se arriscarão na rodovia?

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) liberou no dia 31 de julho imagens de uma mulher atropelada dois dias antes, às 5h15min. em Balneário Camboriú. Detalhe: pista duplicada, mureta de concreto tipo New Jersey, tela de proteção para impedir o avanço dos pedestres para o outro lado da pista e uma passarela próxima ao local. E não se trata de caso isolado: em Santa Catarina, 62% dos atropelamentos são na BR-101 duplicada.

Acidentes de trânsito são fenômenos muito complexos que envolvem o veículo, o homem e a via, como bem nos ensina o professor Reinier Rozestraten (in memoriam). Trânsito e segurança no trânsito se faz e se sustenta em 3 pilares: engenharia/ergonomia, fiscalização e educação, como bem disse Mariana Czerwonka em um de seus artigos aqui no Portal.

Como diz o outro, já não era sem tempo da duplicação da BR-470 sair do papel. A notícia é mais do que bem-vinda, e espero que o “oba oba” dos políticos não seja só fogo de palha ao ponto de fazer alarde e abandonar a obra pelo caminho.

Mas, enquanto os motoristas não duplicarem a prudência e os cuidados ao dirigir em qualquer tipo de via ou de pista, os acidentes de trânsito continuarão a ser provocados com gravidade cada vez maior.

Ilusão pensar que a duplicação vai barrar acidentes. O impacto maior será para a fluidez do tráfego. O que vai fazer a diferença é o modo como dirigimos e como nos comportamos como pedestres.

Márcia Pontes

Meu nome é Márcia Pontes, sou educadora de trânsito em Blumenau (SC), Graduada em Segurança no Trânsito na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e colunista de assuntos de trânsito do Portal de Notícias Blumenews. Sou pesquisadora do medo de dirigir e dos métodos de ensino da aprendizagem veicular pelo método decomposto, desenvolvido na Suíça e difundido em autoescolas italianas.Em 2010 iniciei nas redes sociais um trabalho de Educação Para o Trânsito Online (EPTon) utilizando a força das mídias sociais (Orkut, Facebook, Blog, MSN, Twitter, Youtube) com foco no acolhimento emocional, aprendizagem significativa e dicas de direção defensiva, ética e cidadania no trânsito.Escrevo o Blog Aprendendo a Dirigir voltado para alunos em processo de habilitação nos CFC e para motoristas habilitados com dificuldades e medo de dirigir. O foco deste trabalho voluntário reconhecido internacionalmente leva acolhimento emocional, aprendizagem significativa e fundamentos de ética, cidadania e humanização do trânsito para evitar acidentes, sobretudo por imperícia.No ano de 2012 publiquei o livro digital Aprendendo a Dirigir: aprendizagem pelo método decomposto para evitar traumas e acidentes durante a (re)aprendizagem da direção veicular. Em 2013 publiquei o livro Aprendendo a Dirigir: um guia prático de exercícios para quem tem medo de dirigir.Sou apaixonada por trânsito, respiro, pesquiso cientificamente e vivo o trânsito com compromisso existencial. A principal luta da minha vida: contribuir para rever e atualizar os métodos de ensino da direção veicular no Brasil substituindo o adestramento do aluno e a memorização pela construção de conceitos e de significados sobre o ato de dirigir defensivamente.

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