06 de dezembro de 2025

O que a logística tem a nos ensinar na batalha diária do transporte público?


Por Rodrigo Vargas de Souza Publicado 15/10/2021 às 21h15 Atualizado 02/11/2022 às 19h58
Ouvir: 00:00

Rodrigo Vargas de Souza conta sua experiência na preparação de uma palestra sobre gestão de frotas e logística.

Recentemente, fui convidado para palestrar em um evento sobre gestão de frotas. A área da logística não é uma das quais eu tinha mais familiaridade, então me vi na obrigação de fazer uma breve pesquisa, a qual resultou de interessantes reflexões…

Foto: Divulgação autor

Com origem no verbo francês loger (alojar ou acolher), a palavra logística foi inicialmente usado para descrever a ciência da movimentação, suprimento e manutenção de forças militares no terreno. Posteriormente, foi usado para descrever a gestão do fluxo de materiais numa organização, desde a matéria-prima até aos produtos acabados. Desde a antiguidade, os líderes militares já usufruíam da logística. As guerras eram longas e geralmente distantes e eram necessários grandes e constantes deslocamentos de recursos. Para transportar as tropas, armamentos, carros de guerra pesados e alimentos aos locais de combate era necessário planejamento, organização e execução de tarefas logísticas. Na antiga Grécia, Roma e no Império Bizantino, os militares, com o título de Logistikas, eram os responsáveis por garantir recursos e suprimentos para a guerra.

Enquanto pensava na minha possível contribuição para o tema, uma analogia me surgiu à mente. Imagine que sua cidade é um grande supermercado, as lojas são prateleiras e os funcionários são os produtos. O cliente desse supermercado é a Dona Economia. Agora, imagine que a Dona Economia um certo dia vá à farmácia e não encontre o medicamento que ela usa de forma contínua porque a fábrica não foi capaz de levar seus medicamentos até as prateleiras da farmácia. Muito provavelmente Dona Economia ficaria doente…

Caso a analogia não tenha sido suficientemente clara, sejamos mais específicos.

Imagine que você vai ao supermercado para comprar um produto que você compra diariamente, como leite ou pão. Chegando lá, você se dirige à prateleira de costume e, para sua surpresa, encontra no lugar do produto que procura uma placa dizendo que aquele produto não será mais comercializado em supermercados por problemas de logística da fábrica. Porém, ainda será comercializado diretamente na fábrica. Você consegue imaginar a confusão que seria se cada pessoa que toma leite ou como pão pegasse seu carro e dirigisse até a fábrica daquele produto para buscá-lo diariamente?

“Ok, Rodrigo… mas não te parece meio desumano comparar trabalhadores a produtos numa prateleira de mercado?!” Depende muito – eu diria – da definição que você tem de humano. Para mim isso é algo extremamente humano. O que não me parece nada humano é a forma como as pessoas são transportadas diariamente para os seus trabalhos. Quem depende do transporte público para sues deslocamentos cotidianos já se sente há muito tempo uma mercadoria…

Assim, seguindo a origem etimológica do termo, é urgente repensarmos os investimentos em logística humana, sob pena de ficarmos cada vez mais sem suprimentos para essa batalha diária. Numa guerra onde não somente a Dona Economia adoece, mas toda a sociedade.

Rodrigo Vargas de Souza

Sou formado em Psicologia pela Unisinos, atuo desde 2009 como Agente de Fiscalização de Trânsito e Transporte na EPTC, órgão Gestor do trânsito na cidade de Porto Alegre. Desde 2015, lotado na Coordenação de Educação para Mobilidade do mesmo órgão.Procuro nos meus textos colocar em discussão alguns dos processos envolvidos na relação do sujeito com o automóvel, percebendo a importância que o trânsito, espaço-tempo desse encontro, vem se tornando um problema de saúde pública. Tendo como objetivos, além de uma crítica às atuais contribuições (ou falta delas) da Psicologia para com a área do trânsito, a problematização da relação entre homem e máquina, os processos de subjetivação derivados dessa relação e suas consequências para o trânsito.Sendo assim, me parece urgente a pesquisa na área, de forma a se chegar a uma anuência metodológica e ética. Bem como a necessidade de a Psicologia do Trânsito posicionar-se de forma a abrir passagem para novas formas heterogêneas de atuação, que considerem as singularidades ao invés de servirem como mais um mecanismo de serialização das experiências humanas.

Comentar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *