14 de dezembro de 2025

Quer conhecer um condutor? Dê a ele uma escova de dentes!


Por Rodrigo Vargas de Souza Publicado 14/12/2018 às 02h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h13
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Escova de dentesFoto: Pixabay.com

Calma! Antes que você se coloque em risco tentando provar sua habilidade na direção, eu advirto: não tente fazer isso em casa! Isso não é nenhuma espécie de teste ou desafio. Não se trata de ter ou não habilidade para conduzir um veículo. A questão aqui é bem mais complexa e diz respeito a um assunto que trago constantemente nos meus textos: solidariedade. Sim, eu explico…

Mas, primeiramente, algumas definições se fazem necessárias. O conceito tradicional de família refere-se ao conjunto de pessoas que possuem grau de parentesco entre si (ou não) e vivem na mesma casa formando um lar. A família é considerada uma instituição responsável por promover a educação dos filhos e influenciar o comportamento dos mesmos na sociedade. Já o de sociedade, a um conjunto de seres que convivem de forma organizada. A palavra vem do Latim societas, que significa “associação amistosa com outros”. Uma sociedade humana é um coletivo de cidadãos de um país, sujeitos à mesma autoridade política, às mesmas leis e normas de conduta, organizados socialmente e governados por entidades que zelam pelo bem-estar desse grupo. Feitas tal considerações, vamos aos fatos.

Aqui em casa eu sou o “chato” da família quando o assunto é organização. Sempre gostei das coisas organizadas, mas não chego a ser neurótico e nem tenho nenhum TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) por limpeza. Apenas por pura praticidade. E, a menos que você more sozinho, já deve ter passado por isso. Por que deixar diversos copos espalhados pela casa, por exemplo, para juntá-los todos no final de semana se eu posso usá-lo e já largar na pia? Assim final de semana eu tenho uma coisa a menos para me preocupar. A bagunça em si nem é o que mais me incomoda. O que me tira realmente a paciência é a falta de solidariedade. Usando o exemplo dos copos, é não pensar que alguém pode vir a precisar de um copo e não encontrá-los no lugar, porque estão todos espalhados pela casa.

E exemplos como esse eu poderia citar indefinidamente… como a migalha de sabonete que se usa e não se repõe, o papel higiênico que termina e nem o rolinho vazio são capazes de tirar ou, finalmente, a pasta de dentes. Essa, por se tratar de um produto que dura um pouco mais, aproximadamente uns 10 dias aqui em casa, não me incomoda tanto a falta de reposição. No entanto, nesse caso a perturbação é diária, frequentemente mais de uma vez ao dia. Pode parecer algo banal, trivial, até meio bobo, mas eu não entendo como alguém pode ser tão egoísta a ponto de apertar a pasta de dentes na parte de cima, logo na saída do tubo! Esse pra mim é o maior teste de solidariedade… pessoas que fazem isso, na minha opinião, transmitem uma mensagem do tipo “Haha! Aqui está meu creme dental… quase sem nenhum esforço. O próximo? O próximo que se exploda!” Aí vem o Rodrigo escovar os dentes e tem que apertar a pasta de dentes desde lá de baixo pra cobrir o espaço que o outro deixou entre a pasta e a saída do tubo…

“Mas como esse comportamento se reflete no trânsito?” você pode estar se perguntando… Para mim é muito claro: quando o sujeito estaciona na vaga de deficiente, idoso ou gestante sem estar em nenhum desses estados; quando ele passa o cruzamento no amarelo, mesmo vendo que não conseguirá completar a travessia, trancando todos na outra via; ou quando estaciona em rebaixo de entrada e saída de garagem, tirando dos moradores o direito de acessarem suas próprias casas. Esses, pra mim, são apenas alguns exemplos de como, também no trânsito, as pessoas apertam o creme dental na parte de cima.

Na nossa sociedade, o carro ainda carrega consigo uma grande representação de poder, o que me faz lembrar da celebre frase do ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln, que diz “Se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder.” Em relação ao trânsito, me atrevo parafraseá-lo dizendo “Se quiser por à prova o caráter de um condutor, dê-lhe uma escova de dentes“.

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Rodrigo Vargas de Souza

Sou formado em Psicologia pela Unisinos, atuo desde 2009 como Agente de Fiscalização de Trânsito e Transporte na EPTC, órgão Gestor do trânsito na cidade de Porto Alegre. Desde 2015, lotado na Coordenação de Educação para Mobilidade do mesmo órgão.Procuro nos meus textos colocar em discussão alguns dos processos envolvidos na relação do sujeito com o automóvel, percebendo a importância que o trânsito, espaço-tempo desse encontro, vem se tornando um problema de saúde pública. Tendo como objetivos, além de uma crítica às atuais contribuições (ou falta delas) da Psicologia para com a área do trânsito, a problematização da relação entre homem e máquina, os processos de subjetivação derivados dessa relação e suas consequências para o trânsito.Sendo assim, me parece urgente a pesquisa na área, de forma a se chegar a uma anuência metodológica e ética. Bem como a necessidade de a Psicologia do Trânsito posicionar-se de forma a abrir passagem para novas formas heterogêneas de atuação, que considerem as singularidades ao invés de servirem como mais um mecanismo de serialização das experiências humanas.

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