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Artigo: ações educativas para o trânsito


Por Artigo Publicado 01/09/2020 às 21h10 Atualizado 08/11/2022 às 21h43
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Adriana Modesto faz uma análise profunda sobre ações educativas para o trânsito, desde aspectos semânticos, de legislação até os de marketing social. Confira!

Adriana Modesto*

Ações educativasFoto: Arquivo Tecnodata.

As discussões em torno do binômio Educação/Trânsito têm ganhado cada vez mais espaço, tanto aquelas que contemplam a formação de condutores veiculares, atualização e reciclagem de condutores já habilitados, processos de capacitação, qualificação e atualização de profissionais ou campanhas de segurança viária de responsabilidade de órgãos e entidades vinculadas ao Sistema Nacional de trânsito (SNT), como a potencial educação promovida em unidades de ensino formal, compondo o currículo dos ciclos de ensino, inclusive, pleiteando-se sua inserção na modalidade Superior1.

Buscando-se aprofundar as discussões teóricas relacionadas ao tema, destaca-se inicialmente a necessidade de se resgatar aspectos semânticos, uma vez que é verificado junto à literatura especializada e/ou cotidianos institucionais relacionados à área o emprego das expressões educação de trânsito, educação para o trânsito e educação no trânsito, portanto, apresentando a possibilidade de variação quanto ao tipo de relação e a circunstância atribuída para o binômio, sendo recomendado ou a uniformização do emprego da expressão ou a oferta de definição suficientemente clara quanto a cada uma dessas tendo em vista: o público alvo; o modo de exposição; fase do ciclo de vida a qual pertence o sujeito exposto observando-se parâmetros pedagógicos ou andragógicos; a finalidade e os objetivos da ação; os princípios e fundamentos da Educação balizadores; o nível de complexidade dos conteúdos pedagógicos; a adequação às realidades, demandas e necessidades locais; as competências e habilidades a serem desenvolvidas; a temporalidade do processo; o contexto e as modalidades da ação; os recursos didáticos, paradidáticos ou peças para conscientização quanto aos riscos do trânsito e a cultura de paz no trânsito; o perfil dos promotores/facilitadores da ação educativa e respectivos processos de capacitação desses para atuação em temáticas do trânsito, assim como o desenvolvimento e adoção de metodologias de avaliação com a finalidade de aferição dos reais resultados em curto, médio e longo prazos1.

Infere-se que desta forma será possível qualificar o planejamento e a execução das estratégias educativas, parametrizar as ações e identificar as melhores práticas tomando-as como referências e incentivo de sua adoção por parte das autoridades públicas a exemplo do que já é adotado no contexto europeu2.

Tendo em vista legislação e características observadas no contexto nacional, destaca-se que o Código de Trânsito Brasileiro – CTB contempla diretrizes relacionadas à educação “para o trânsito”. No entanto, considerando-se a diacronia dos processos educativos voltados para  o trânsito, observa-se a influência dos conceitos da segurança viária com características tecnicistas inerentes à área mencionada, deste modo, inferindo-se quanto a possiblidade de que a pedagogia praticada seja limitada desconsiderando outras dimensões relacionadas ao trânsito3. A possibilidade de limitação encontra reforço na avaliação de que são inatas ao trânsito as características: interprofissional, interdisciplinar, transprofissional”4.

No que tange às ações educativas promovidas pelos órgãos de trânsito para todos os usuários da via, assumindo, no entanto, melhor definição campanhas de segurança viária, recruta-se o conceito de marketing social, este toma por empréstimo princípios e técnicas do marketing a fim de convencer um segmento social alvo a aderir, rejeitar, modificar ou abandonar comportamentos visando benefícios ao indivíduo e/ou o coletivo da sociedade5, portanto, aderente às questões relacionadas aos comportamentos seguros no contexto do trânsito1.

Salienta-se, no entanto, que nem sempre a população beneficiária correlaciona de forma imediata a mudança de comportamento com um ganho social, destacando-se que as estratégias que prospectam o potencial ganho social devem ser submetidas à uma avaliação ética quanto a seus impactos, desejabilidade dos objetivos, definição do segmento alvo e os meios elencados para o alcance dos objetivos6. Faz-se o adendo ainda de que a “publicidade sobre segurança viária é usada com maior sucesso em apoio a outras iniciativas e não como iniciativa principal”7.

De modo geral a educação “de trânsito” tem se baseado nos pilares: promoção do conhecimento e compreensão das regras de convivência no trânsito; reforço ou modificação dos níveis de consciência de risco; fomento do autocuidado no contexto do trânsito, assim como o de outros usuários da via e a atenção e o cumprimento das regras de trânsito. Nas unidades de ensino os conteúdos são apresentados de forma a observar o ciclo de vida e desenvolvimento cognitivo dos sujeitos expostos. Percebe-se que as ações educativas de trânsito que contemplam a tríade conhecimentos, habilidades e atitudes tendem a ser mais exitosas8.

Ao abordar o tema Educação e havendo a complementação “de trânsito”, esta pode ser tratada a partir do ponto de vista da psicopedagogia do trânsito como tema transversal em ambiente escolar com o recurso da interdisciplinaridade4, estabelecendo uma espécie de simbiose com a disciplinaridade, ou seja, o tema trânsito dialoga com uma outra disciplina em se tratando de contexto escolar. O argumento ancora-se ainda no conceito de aprendizagem significativa, nesta perspectiva materializa-se quando o indivíduo é capaz de estabelecer relações entre diferentes conhecimentos, ligados entre si percebendo-os como importantes e significativos para sua vida9.

Conforme enfatizado o binômio Educação/Trânsito pode assumir variados tipos de relação e circunstância. Em se tratando do ambiente escolar e embora seja previsto no CTB, destaca-se que sua efetivação transcende a letra normativa específica do trânsito. Por comungar de mesmo espaço em que outros conteúdos e elementos da educação formal já encontram-se consolidados, ainda que em condição transversal, necessita da própria validação e chancela da comunidade escolar, além das adequações relacionadas às teorias da aprendizagem e do conhecimento.

Convém destacar que a escola é o espaço físico, contudo, o processo de aprendizagem não se restringe apenas aos espaços de educação formal. Compartilha-se da dimensão holística atribuída à educação, entendo-a como processo formativo abrangendo a totalidade do ser humano, nas suas dimensões física, afetiva, cognitiva, considerando ainda suas diversas modalidades, formal, informal, compensatória, continuada, coorporativa, cooperativa, extensivo, portanto, aos conteúdos relacionados ao trânsito10.

Outro ponto a se considerar diz respeito à percepção do aprendente quanto ao currículo relacionado ao trânsito, as respostas cognitivas, os condicionantes relacionados ao ciclo de vida, aludindo-se novamente à aprendizagem significativa. O que é ensinado precisa fazer sentido para quem aprende, para os diversos papéis que o indivíduo poderá ocupar no contexto do trânsito, neste sentido advoga-se pela educação como transformação da sociedade11, como instrumento de cidadania, educação para a mobilidade e não uma prévia para uma futura habilitação, restrita à aprendizagem mecânica, à mera memorização de regras e sinais.

Tendo em vista o cenário brasileiro relacionado ao trânsito e as contribuições epistemológicas da Educação destaca-se que esta pode  assumir três sentidos: educação como redenção, educação como reprodução e educação como transformação da sociedade, e ainda que a educação pode apresentar-se como um exercício político, estabelecendo interface com os direcionamentos advindos das arenas decisórias11. No caso do trânsito as câmaras temáticas vinculadas ao DENATRAN cumprem o papel político ao participarem da construção do modelo de Educação de Trânsito a partir das letras normativas definidoras dos processos formativos para novos condutores e demais competências. Deste modo, o modelo de “educação de trânsito” e seus resultados são fruto de construção coletiva, chancelada pela sociedade.

Por fim, considerando-se a pluralidade de realidades sociais e trajetórias de vida, acredita-se que as ações educativas precisam ser concebidas de forma a valorizar as experiências pregressas, nesta perspectiva os sujeitos são percebidos como coautores e corresponsáveis pelo processo pedagógico, rompendo a lógica da transmissão de conhecimento e adotando a lógica do compartilhamento na construção do conhecimento, inclusive pertinente ao trânsito.

Referências Bibliográficas

  1. 1. SOUSA, A. M. (2019) Metodologia de Avaliação de Programas Governamentais Preventivos aos Acidentes de Transporte Rodoviário Envolvendo Motoristas de Cargas [Distrito Federal]. Tese de Doutorado – Universidade de Brasília. Faculdade de Tecnologia. Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, 182p.
  2. CESVI BRASIL – CENTRO DE EXPERIMENTAÇÃO E SEGURANÇA VIÁRIA (sd) Melhores práticas em segurança viária, 37 p.
  3. PAVARINO FILHO, R. V. (2004) Aspectos da Educação de Trânsito decorrentes das proposições das teorias da segurança – problemas e alternativas. Revista Transportes, v. (12), p. 59-68.
  4. ROZESTRATEN, R. J. A. (2004) Psicopedagogia do Trânsito: Princípios psicopedagógicos da educação transversal para o trânsito para professores do Ensino Fundamental. UCDB, Campo Grande, 218 p.
  5. KOTLER, P. & LEE, N. (2008) Marketing no setor público: um guia para um desempenho mais eficaz. Bookman, Porto Alegre, 350 p.
  6. KOTLER, P. & ROBERTO, E.L. (1992) Marketing social: estratégias para alterar o comportamento público. Campus, Rio de Janeiro, 392 p.
  7. GLOBAL ROAD SAFETY PARTNERSHIP (2007) Beber e Dirigir: manual de segurança viária para profissionais de trânsito e saúde. Global Road safety partnership, Genebra, 149 p.
  8. COMISIÓN EUROPEA. (2010) Mejores prácticas de seguridad vial – Manual de medidas a escala nacional. Oficina de Publicaciones de la Unión Europea, Luxemburgo, 66 p.
  9. CARMO, J. S. (2010) Fundamentos Psicológicos da educação. (Série Psicologia em sala de aula). IBPEX, Curitiba, PR, 60 p.
  10. FERREIRA, M. dos S. (2016) Ergonomia do Envelhecimento: acessibilidade e mobilidade urbana no Brasil. Ergodesign e HCI. nº1 v. 04, ano 4, p 31-40.
  11. LUCKESI, C. C. (1994) Filosofia da Educação. Cortez, São Paulo, 14 ed., 183 p.

* Adriana Modesto – Doutora em Transportes pela UnB

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