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07 de outubro de 2024

É possível um cidadão comum fiscalizar as leis de trânsito?


Por Pauline Machado Publicado 11/02/2022 às 11h15 Atualizado 08/11/2022 às 21h15
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O que leva o cidadão comum a querer fiscalizar as leis de trânsito ou criar as suas próprias regras? Como denunciar e tentar resolver legalmente uma irregularidade no trânsito? Veja aqui as respostas!

Recentemente vimos em São Paulo que cidadãos comuns ameaçam motociclistas que fazem muito barulho em comunidades. Também é recorrente moradores que proíbem, por conta própria, o estacionamento de veículos em frente às suas residências ou estabelecimentos comerciais, entre outras situações que cidadãos comuns sentem-se responsáveis por fiscalizar leis de trânsito.

Mas, afinal, por que isso acontece? Será que a falta de fiscalização de trânsito por parte dos órgãos responsáveis justifica essa atitude? É permitido aos cidadãos assumirem essa responsabilidade? O que devemos fazer ao nos depararmos com uma irregularidade no trânsito?

Diante de todas essas dúvidas, conversamos com o advogado especialista em Direito de Trânsito, consultor e autor de artigos jurídicos, Danilo César de Araújo Cavalcanti Duca, que nos esclareceu, com exclusividade, esses e outros questionamentos.

Acompanhe!

Portal do Trânsito – O que diz a legislação a respeito dessas situações em que cidadãos comuns sentem-se responsáveis por fiscalizar leis de trânsito, entre outros casos como os de cano de descarga das motocicletas barulhentos e impedimento por parte dos moradores de estacionar veículos em frente ao seu imóvel, por exemplo?

Danilo Duca – Creio que os dois tópicos da problemática decorrem de falhas, ausência ou descaso, na educação para o trânsito. Escapando desse orbe, temos uma população praticamente “blindada” para os ideais de coletividade, o que é adensado pelo fato de o povo não conhecer ou mesmo ignorar suas prerrogativas e os meios lícitos para agir. De modo geral, a individualidade tende a suplantar parâmetros medianos de convívio social, que quando se manifestam na realidade na qual vivemos, faz brotar a aura conflitiva do ser humano.

No caso do trânsito, que é um franco canalizador de emoções, vejo que a população poderia “fiscalizar as leis de trânsito” mediante o acompanhamento dos trabalhos dos parlamentares. Além disso, socorrendo-se aos meandros legais/constitucionais para tentar rechaçar alguma propensa alteração legislativa negativa na matéria trânsito, como acionar a Ordem dos Advogados do Brasil para ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI).

Ou, em sendo um ato lesivo emanado pelo Sistema Nacional de Trânsito, como, por exemplo, uma resolução “torta” do Contran, poderia intentar uma resposta satisfatória direcionando os questionamentos pela via administrativa, através do exercício do direito de petição (CF/88, art. 5º, XXXIV), ou pela via judicial, por meio do ajuizamento de ação popular (CF/88, art. 5º, LXXIII; Lei nº 4.717/1965), um dos conhecidos remédios constitucionais, eis que poderia se apontar o ato provindo do SNT como lesivo à moralidade administrativa em ambos os expedientes.

A argumentação entre ambas poderia ser diferente, mas o objeto seria idêntico.

No mais, tanto a solicitação administrativa como a ação popular, para serem intentadas, são gratuitas, isentas de custas ou taxas. Apenas na ação popular é necessário se fazer representar por advogado.

Sobre o ato de “fiscalizar”, o povo não poderia invadir a competência dos órgãos e entidades executivos de trânsito e/ou rodoviários, pois não é sua atribuição natural/precípua. Além de não ter o domínio da matéria, carece de logística adequada e de verdadeira legitimidade para tal intento. Friamente, temos uma falta geral de comunicação e também de interesse nessa comunicação com as autoridades competentes. Isso faz com que muitos populares se sintam no direito de intervir como se legitimados fossem.

Por outro lado, o poder público deve agir para que essa relação se estreite. Sem olvidar do poder de polícia que é inerente à atividade fiscalizatória.

Portal do Trânsito – É permitido que os cidadãos assumam essa responsabilidade?

Danilo Duca – Não. Inexiste disposição legal vigente que possibilite a delegação dessa competência à população. Caso existisse, seria flagrantemente inconstitucional, pois o Estado deve zelar pela incolumidade dos citadinos. E, assim, não passar o bastão para que o povo cumpra tarefas que são de responsabilidade exclusiva da máquina pública, especialmente o braço estatal responsável pela malha viária, pelos veículos e condutores: o Sistema Nacional de Trânsito.

Seria o equivalente a deixar a fiscalização e a administração de hospitais nas mãos de populares. O resultado seria desastroso, em todos os sentidos.

A disposição legal que mais se aproxima dessa possibilidade, e mesmo assim remotamente, é a que diz que todo cidadão ou entidade civil pode sugerir alterações legais, normativas ou outros assuntos afetos ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB, art. 72, Capítulo V – Do Cidadão). Todavia, sem possuir o mínimo de expertise ou afinidade com o direito e a legislação de trânsito, seria possível intentar pleitos legítimos, porém, provavelmente inócuos. Haja vista o risco de a argumentação não conter teor técnico-substancial capaz de promover alguma alteração normativa cabal e benéfica para os administrados.

Portal do Trânsito – Por que situações como essas acontecem?

Danilo Duca – Acontecem por falta de educação. Perceba: é uma demonstração de cinismo fazer barulho com o veículo propositalmente. Até um ser humano pessimamente instruído sabe que não se deve proceder desta forma; noutra feita, é totalmente desmedido o cidadão querer “regrar” o trecho da via em frente à residência ou estabelecimento comercial. Inclusive é possível analisar a atitude do condutor de veículo ruidoso, sob a ótica da Psicologia do Trânsito, ciência que estuda, entre outros comportamentos, o desengajamento moral. Como a lei para todos se aplica, em regra, isonomicamente, nesse sentido creio que falta contingente estatal para estar presente ao menos para evitar a grande quantidade de ocorrências nesse sentido.

Assim, o provocador do barulho seria inibido da prática. Bem como àquele que frustra ou constrange outrem para que este não pare o veículo de frente ou próximo ao imóvel, ou o faça retirá-lo do local que a rigor é lícito proceder com o estacionamento. Ambas as condutas possuem sanções legalmente previstas.

Portal do Trânsito – Qual é o órgão responsável para fiscalizar as leis em casos como esses?

Danilo Duca – No caso da moto barulhenta, o órgão ou entidade de trânsito municipal ou mesmo a polícia militar pode intervir. O componente do SNT seria responsável pela autuação pela conduta infracional prevista na lei geral de trânsito, no caso, conduzir veículo com característica alterada (CTB, art. 230, VII). A PM tem a obrigação de interromper a prática, podendo autuar o condutor infrator se existir convênio que delegue essa função à corporação, salvo a existência de batalhão especializado, como o Batalhão de Polícia de Trânsito de Pernambuco (BPTRAN/PE).

No caso do morador ou comerciante, que quer ou de fato obstruiu o estacionamento, deve se acionar a PM. E, mesmo sendo resolvida a situação no local, o motorista que foi constrangido permanece com o direito de representação, ou seja, de registrar a queixa. Assim, se fizer questão de proceder com a ocorrência, o autor do impedimento deverá ser conduzido à delegacia para lavratura de termo circunstanciado, por crime de constrangimento ilegal, previsto no Código Penal (CP, art. 146), que por ser delito de menor potencial ofensivo, conforme a Lei nº 9.099/1995, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (LJE, art. 61), acaba se convertendo em composição civil dos danos, mediante o instituto da transação penal (LJE, art. 60, p. único).

Portal do Trânsito – Podemos entender que a falta de fiscalização de trânsito por parte dos órgãos responsáveis justifica essa atitude?

Danilo Duca – De certa forma, sim, mas jogar a dita culpa somente na atuação estatal é desproporcional ao problema que se enfrenta. Institucionalmente, os órgãos e entidades executivos e fiscalizatórios do SNT devem sempre cuidar de reciclar seus agentes. De modo que se identifiquem e se sintam imbuídos com o ofício. Assim se evitaria a atividade aparentemente negligente, ao passo que também deveriam rever os meios de aproximação com a população.

A luta para encontrar um ponto de equilíbrio é grande. Acredito, porém, sem devaneios utópicos, que em havendo vontade política genuína, políticas públicas condizentes alavancariam campanhas de conscientização, para os aspectos gerais, e de educação, voltada ao trânsito.

Esta última deve estar presente desde o ensino fundamental. Como o primeiro tijolo no arrimo de prerrogativas e deveres como cidadãos, pois é uma diretriz legal, bem como deve se promover nos demais níveis de ensino (CTB, art. 76, caput).

Portal do Trânsito – É permitido que os cidadãos assumam essa responsabilidade, ou seja, é possível um cidadão comum fiscalizar as leis de trânsito?

Danilo Duca – Podemos dizer que os cidadãos comuns podem acompanhar formalmente o prumo do Poder Legislativo (leia-se, Congresso Nacional, vez o CTB ser lei uma válida nacionalmente, e os demais entes políticos – Estados, Municípios e o Distrito Federal – não possuírem competência para legislar sobre a matéria trânsito, eis que se trata de uma competência legislativa privativa da União), para tentar brecar ou erradicar mudanças na lei, ora vistas como incongruentes. No campo material, qualquer animosidade a autoridade competente, como polícia, órgãos/entidades de trânsito deve ser acionada. Caso não, teremos mais e mais casos de “justiça privada”.

Portal do Trânsito – Para finalizar, por favor, nos explique o que fazer ao presenciar uma irregularidade no trânsito. Qual deve ser o procedimento correto para denúncia ou solicitação para fiscalizar as leis nesses casos?

Danilo Duca – Se for caso de um popular avistar outrem cometendo uma infração de trânsito, nem que ele comunique ao agente de trânsito, ou da autoridade de trânsito o que presenciou, a autuação não poderá ser realizada, pois a lei veda a lavratura de auto de infração de trânsito por comunicação de terceiros, salvo no caso de operações (“blitzes”), onde um agente, ao abordar o veículo, pode informar a outro agente credenciado e lotado na operação a irregularidade ali verificada, seja do próprio veículo ou do condutor. Entretanto, em situações contumazes, o popular pode acionar a fiscalização ou a polícia através dos telefones e canais de contato disponibilizados pela Administração. São exemplos: excesso de veículos estacionados irregularmente, aglomerações de veículos barulhentos, disputas de “rachas”, som automotivo excedente, encontros para manobras arriscadas, como arrancada brusca e empinar motos, .

A metodologia para atendimento e os horários de funcionamento variam conforme a localidade ou política regimental/institucional dos órgãos afins, bem como os documentos anexáveis. Eles  podem variar conforme a demanda, ou situação denunciada, ou segundo o critério da repartição acionada. A população deve estar sempre por dentro dessas movimentações. Já quem rege o prazo para resposta de uma solicitação particular para o poder público, salvo o Poder Judiciário, é a Lei nº 12.157/2011, a Lei de Acesso à Informação (LAI). Ela diz que deve-se atender o pedido imediatamente (LAI, art. 11).

Não concedendo a informação de forma imediata, o órgão deverá, em até 20 (vinte) dias:

I – comunicar a data, local e modo para se realizar a consulta, efetuar a reprodução ou obter a certidão;

II – indicar as razões de fato ou de direito da recusa, total ou parcial, do acesso pretendido;

III – comunicar que não possui a informação.  Depois disso, indicar, se for do seu conhecimento, o órgão ou a entidade que a detém. Ou, ainda, remeter o requerimento a esse órgão ou entidade, cientificando o interessado da remessa de seu pedido de informação (LAI, art. 11, § 1º).

No mais, o prazo de 20 (vinte) dias poderá sofrer prorrogação pela metade, mediante justificativa expressa e fundamentada. Além disso, o requerente deve ser cientificado (LAI, art. 11, § 2º). Extrapolado o prazo, a irregularidade poderia configurar ato de improbidade administrativa por ofensa aos princípios administrativos (Lei nº 8.429/1992, art. 11).

Entretanto, a conduta “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício” (art. 11, I) teve  revogação pela Lei nº 14.230/2021. Hoje em dia, tal conduta fica no campo das infrações administrativas, acarretando, de forma mais gravosa, a suspensão do servidor.

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