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Por que os jovens estão perdendo o interesse pela CNH?


Por Pauline Machado Publicado 15/12/2020 às 11h12 Atualizado 08/11/2022 às 21h37
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Dados do Denatran, mostram que as emissões de CNH, para condutores na faixa dos 18 a 21 anos, estão caindo. O Portal do Trânsito foi tentar entender os motivos.

Dados do Departamento Nacional de Trânsito – Denatran, mostram que as emissões de Carteira Nacional de Habilitação – CNH, para condutores na faixa dos 18 a 21 anos, caíram mais de 20% em três anos, passando de 1,2 milhão para 939 mil habilitações no período de 2014 a 2017.

Ao encontro dos dados acima, uma pesquisa do Ibope realizada em 2019, identificou que apenas 27% dos homens e mulheres com idades até 25 anos têm CNH.

Possíveis causas

A perda de interesse por parte dos jovens pela CNH pode se dar por uma série de fatores: o elevado custo de um veículo próprio, a perda do status do carro novo e as mudanças nas cidades — como o incentivo público para outros modais e a revisão dos Planos Diretores.

Eduardo CadoreEduardo Cadore é especialista em Psicologia, Gestão e Direito de Trânsito, e instrutor de trânsito. Foto: Arquivo pessoal.

Para Eduardo Cadore, especialista em Psicologia, Gestão e Direito de Trânsito, e instrutor de trânsito, os fatores também podem variar por região. Em sua análise, a hipótese, por exemplo, de perda do status de carro novo não lhe parece perceptível no interior, em que vemos ainda as pessoas buscando o veículo automotor como forma de representação de status, embora esse comportamento já tenha sido mais forte.

Da mesma forma, no interior, há o déficit no transporte público e alternativo, com cidades pequenas, de menos de 30 mil habitantes, em que a “uberização” do transporte ainda não chegou, salienta o especialista.

“Nessas localidades a busca pela habilitação parece ter reduzido, mas não tanto quanto em outras regiões. Aqui, ainda ter um veículo e estar habilitado é a principal forma de mobilidade das pessoas na cidade e entre as cidades próximas, já que também há uma redução das linhas de ônibus. Assim, ainda que a estatística nacional aponte para uma média, creio que as variantes divergem entre as regiões”, justifica.

Impactos para os Centros de Formação de Condutores

Há quase dez anos na área, Cadore é categórico ao dizer que nos últimos cinco anos houve uma queda vertiginosa na busca pela habilitação, o que impactou fortemente as autoescolas, muitas diminuindo seu efetivo, tendo que buscar outros mecanismos para atrair as pessoas.

“Houve uma mudança de paradigma, em que muitas autoescolas, as que conseguem se manter mesmo com essa redução, tiveram que promover cada vez mais sua inserção na sociedade, participando ainda mais de eventos, promovendo um marketing mais presente, sobretudo nas redes sociais. Veja, por exemplo, que hoje uma grande parte do atendimento e da propaganda dos serviços está atrelada às redes sociais. Ter um site já não é mais, como lá no começo da década, o grande chamariz, mas, sim, atuar nas redes e interagir”, diz.

Cadore explica ainda que hoje, no Centro de Formação de Condutores que atua, a busca é fazer isso pelo Instagram e Facebook. “Ainda não temos uma equipe ou profissional dedicado apenas a essa atividade, sendo que as referidas redes são administradas por mim, que também sou instrutor. Porém, ainda assim, é perceptível que as redes sociais estão sendo o caminho para chegar até o jovem e percebemos que, desde que começamos a ampliar a atuação, tivemos um incremento na presença desse público, sobretudo agora na pandemia com as aulas remotas”, expõe.

Repercussões para o dia a dia e futuro no trânsito brasileiro

Segundo o especialista, é difícil precisar quais serão as possíveis repercussões para o trânsito hoje e futuramente, já que o trânsito é um fenômeno dinâmico em que, mesmo munidos de dados estatísticos, é arriscado fazer um prognóstico.

“O perfil psicológico do jovem hoje é diferente. Nesta era da superinformação, em que não necessitamos diretamente de contato com outra pessoa para aprender algo, aliado ao uso constante de celulares inteligentes, o jovem é mais dinâmico, ao mesmo tempo em que parece mais ansioso, e a ansiedade em demasia prejudica nossa capacidade de concentração. Logo, a aprendizagem pode não alcançar o objetivo com todos os candidatos, então, se tiver que apostar, os dados mencionados mostram que teremos mais motoristas de meia idade e idosos do que jovens no trânsito, o que não precisará ser algo negativo, se o adulto jovem habilitado dirigir com segurança e aplicar o que aprendeu por toda a vida como condutor”, avalia.

Seguindo a mesma linha pensando no futuro, as consequências talvez não sejam nocivas, se o jovem não dirigir, acrescenta.

“Em termos gerais, se pensarmos que hoje um condutor de 30/40 anos passou pela formação de condutores preconizada no Código de Trânsito Brasileiro de 1997, ainda que tenhamos evoluído muito nestes pouco mais de 20 anos de formação obrigatória, teremos por mais 20 ou 30 anos de condutores que se formaram nos CFCs quando completaram 18 anos. Então, o idoso dos anos 2040, por exemplo, foi o jovem dos anos 2000 que buscou fortemente os CFCs, interagindo com os adultos de 30/40 anos que optaram hoje, em 2020, em não dirigir veículos automotores”, afirma.

O especialista acredita que no futuro teremos um conflito de gerações mais intenso. “Daqui a 20 anos, em que menos jovens estarão atrás do volante, ou, nesse ínterim, haverá uma mudança na forma de se conduzir, com a popularização de carros autônomos que, mesmo dispensando a condução como conhecemos hoje, ainda necessitará que a pessoa tenha mínimos conhecimentos e prática no trânsito? Penso que ainda é cedo para apostar”, considera.

Um caminho sem volta?

Cadore finaliza ressaltando a importância de compreendermos que estamos em tempos de rápidas mudanças. De acordo com ele, se antes falávamos que uma geração era diferente da anterior, hoje percebemos mudanças na própria geração, ou seja, os jovens não estão presos à nostalgia ou ao passado, mas sim, aptos a enfrentar as mudanças sociais e delas tirar proveito.

“Acho temerário cravarmos o fim das autoescolas ou que o desinteresse por dirigir seja indicativo de um caminho sem volta. O que leva a esse receio é compararmos os jovens e a própria sociedade com as de 10, 20 anos atrás. Isso, além de não caber mais, atrasa a evolução do sistema de formação – vide as críticas que levaram ao fim do simulador e as atuais, acerca das aulas remotas. São outros tempos, realmente, mas ainda assim o automóvel está aí e não será abandonado tão cedo, ainda que outros modais ganhem força, o que, sem dúvidas, é bom para a segurança e o meio ambiente”, acredita.

Neste cenário, a formação de condutores é vista pelo especialista como necessária ainda por vários anos, porém, não da mesma forma e intensidade que era no começo do século, enfatiza. “Aí cabe, justamente, uma readequação e atualização do sistema para abarcar a demanda de uma forma diferente e estimular nos jovens o desejo de estar habilitado, ainda que não utilize seu próprio veículo todos os dias. É um momento de deixarmos preconceitos de lado e olhar técnica e eticamente para a formação de condutores e ouvir dos jovens suas motivações, entendendo essa mudança de perfil e de necessidades, e ao invés de combater, tomar para si a responsabilidade de evoluir a prática do ensino para o trânsito”, analisa e finaliza.

 

 

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