Formação de condutores: o fim do adestramento na mira do Denatran
Quem assistiu de cabo a rabo a audiência pública na Câmara dos Deputados no dia 24 de setembro saiu com a certeza: não é novidade que os futuros motoristas estão sendo adestrados só para passar na prova e o Denatran sabe disso.
Sabemos que temos muitos CFC’s e instrutores Brasil afora que trabalham sério, que estão comprometidos com a formação dos futuros motoristas, mas estamos falando de um universo enorme de CFC’s e de quase 92 milhões de instrutores de trânsito em todo o Brasil.
O simples fato de dizer que tem mais de 30 ou 40 anos de profissão, de deixar bem claro que “eu não sou assim, eu não faço isso” não quer dizer que os problemas não existam. Eles existem sim e são graves.
As falhas são percebidas já na primeira ponta do processo de formação dos condutores: a avaliação psicológica: muitos Detrans ainda permitem a aplicação do teste PMK, reprovado pelo Conselho Federal de Psicologia. Hoje não chega a 1% a quantidade de candidatos considerados inaptos pelo famoso psicotécnico para a abertura do processo.
No âmbito dos CFC, desde 2008 existe a Resolução 287, que trata da coleta e armazenamento da impressão digital nos processos de habilitação, mas nem todos os CFC as implantaram e os Detrans não fiscalizam.
A própria coordenadora geral de Qualificação do Fator Humano no Trânsito (DENATRAN), Maria Cristina Hoffmann, relatou alguns recortes da realidade que ela mesma presenciou: aluno e instrutor à sombra de uma árvore tomando refrigerante durante o que deveria ser uma aula de direção.
Em Fortaleza, a poucos metros da porta de entrada do Detran uma propaganda de CFC dizendo em letras garrafais: “alfabetizamos para passar na prova do Detran”. Absurdo é pouco! “Alfabetizamos”?
Pasmem: um instituto que fazia propaganda de um curso que ensinava a passar no exame psicológico do Detran! Quando se precisa divulgar ou vender um curso desse jeito o que isso significa?
Sobre as reprovações, que chegam a ser de 70% tanto nas provas teóricas quanto nas práticas, não cabe mais empurrar para o aluno a responsabilidade e está mais do que na hora de compreender que se o instrutor tem uma turma com 40 alunos e a reprovação chega a 70% o problema não é só do aluno.
A representante do DENATRAN mencionou os resultados de uma pesquisa nacional com motoristas em 2011. O universo da amostra não foi informado, mas de todos os pesquisados só 9% se consideram aptos para dirigir veículos automotores sozinhos na rua depois que saem do CFC. Só 3,97% disseram que conhecem e respeitam a legislação de trânsito.
“Se eu passo por um curso, se eu tenho uma aprendizagem, se eu tenho uma prova e tenho menos de 4% que diz que conhece e respeita a legislação de trânsito, alguma coisa está errada nesse processo de formação”, frisou Maria Cristina Hoffmann.
O aumento da reprovação em alguns estados brasileiros também foi relacionado à diminuição das fraudes e pagamento de propina depois que se implantou a fiscalização por câmeras nos veículos de aprendizagem no dia da prova.
A carga horária de 20 horas aula para a prática também está sendo debatida diante da dificuldade dos instrutores em recomendar aos alunos que eles comprem mais aulas e não sigam despreparados para o exame. Muitas vezes, o próprio CFC entende que o instrutor não pode ter essa responsabilidade de proibir o candidato de ir para a prova mesmo despreparado.
A falta de fiscalização dos Detran’s quanto a parte pedagógica dos CFC’s também esteve em pauta, pois enquanto a fiscalização se concentra só na questão documental, deixa-se de acompanhar, de avaliar e melhorar os recursos pedagógicos e metodológicos utilizados pelos instrutores.
A importância do CFC assumir seu papel pedagógico como formador de novos motoristas, levar o instrutor a compreender a sua função profissional e social, ter um coordenador pedagógico eficiente, um diretor de ensino que cumpra o papel dele e não só substitua as aulas quando o instrutor falta também foram debatidos.
Não é de hoje que se fala que os CFC devem se transformar numa escola de aprendizagem de verdade, exercer seu papel de Centro de Formação de Condutores e não de Centro de Adestramento de Condutores só para passar na prova.
Tornar o ensino e a aprendizagem significativos é que vai fazer com que o aluno entenda a importância das aulas teóricas e práticas que vão influenciar no dia a dia dele como motorista e no convívio social no trânsito.
Já se estuda a possibilidade de sortear os percursos de provas minutos antes do exame prático e fazer cumprir o que determina a legislação: levar os exames para a via pública onde o aluno vai dirigir depois de habilitado, tirando as avaliações de dentro do pátio do CFC.
Agora é sério e os debates em Brasília serão periódicos. Na pauta a aprendizagem significativa e o fim do adestramento dos novos motoristas.
Quando se tem um resultado de 43 mil mortes por ano, a responsabilidade sobre esses resultados é de todos, de cada um dos envolvidos. Inclusive no processo de habilitação e de formação de condutores.