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08 de outubro de 2024

Sobre transporte público, pretextos e protestos


Por Márcia Pontes Publicado 24/06/2013 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h45
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Definitivamente, não foi só a tarifa alta do transporte público em São Paulo e em outras cidades brasileiras que motivou os protestos e levou tanta gente às ruas. Não acredito que míseros R$ 0,20 tenha sido o preço da conscientização e da mobilização popular. O valor por trás disso, isso sim, é bem maior.

Fica claro que o valor da tarifa cobrada pelo transporte público sem qualidade foi apenas um dos pretextos para soltar o grito preso na garganta de um país sofrido, acossado por tanta falta de ética e corrupção por todos os lados.

Se o problema é o transporte público, baixar a tarifa em seja lá o quanto for não resolve o problema. Pelo Brasil afora leram-se alguns cartazes que questionavam: “se as empresas de ônibus são privadas, porquê se fala em transporte público?”. Ou, então, cartazes que clamam por transporte público gratuito.

Ocorre que o problema do transporte público no Brasil é estrutural, é bem maior: basta ver as pessoas se aglomerando na entrada dos trens urbanos, viajando penduradas do lado de fora das portas, com meio corpo fora da janela, prensadas umas contra as outras.

Basta ver os ônibus sucateados que rodam pelas cidades, sem a menor condição de uso e tráfego seguro, enfumaçando tudo, mas que continuam rodando deliberadamente, passando pelas vistas grossas da fiscalização porque se forem apreendidos a população seguirá a pé.

Mas precisou da tarifa como pretexto para que se desse início a uma série de outros protestos pelo país para que a presidenta viesse com a promessa de um pacto para a criação de um plano nacional para o transporte público como se isso fosse uma grande novidade.

Pois eu vou mais longe, já que levantaram a bandeira das tarifas e da qualidade do transporte público. Baixar tarifas não resolve o problema de vez, assim como prometer um Plano Nacional Para a Qualidade do Transporte Público não representa ganho efetivo porque de promessas estamos cheios.

A qualidade passa por cidades bem planejadas, passa pela gestão séria, eficaz e eficiente do trânsito com foco na mobilidade humana e não nos carros. A qualidade do transporte passa pela equalização dos espaços públicos e da malha viária para se implantar ciclovias e dar segurança ao ciclista para que ele não tenha partes do corpo arrancadas pelos carros e jogadas em valas fétidas.

Qualidade do transporte público passa por uma atitude séria do governo por que não adianta incentivar que se ande de ônibus baixando a tarifa de IPI para a venda de carros, que culmina, naturalmente com o aumento da frota. Afinal, quem tem facilidades para comprar um carro novo ou usado não vai querer saber de pedalar em meio aos carros, sem ciclovia, sem segurança, mesmo sabendo de todas as outras vantagens.

Qualidade do transporte público passa por cidades planejadas para as pessoas, porque se o carro continuar a ser prioridade, os pedestres e ciclistas continuarão a ser tratados como cidadãos de segunda classe e aderirão às facilidades de compra e aos apelos da mídia para se sentirem valorizados porque tem um carro.

A qualidade do transporte público também passa por investimentos em Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), como o que está sendo construído em Várzea Grande (MT) e que vai custar o mesmo preço de um estádio de futebol. A diferença é que o VLT vai oferecer transporte rápido, seguro e de qualidade num trajeto de 22 quilômetros acima dos engarrafamentos no horário de pico.

Alguém aí duvida que muito motorista vai deixar o carro em casa para andar de VLT? Eu não.

A busca de soluções para a melhoria da qualidade do transporte público também passa pela revisão das tarifas, taxas e tributos que pagamos, aqueles mesmos, embutidos no preço dos combustíveis e que deveriam ir para a manutenção das vias públicas.

Sinceramente, não vi ninguém protestar por essas coisas, como se somente baixar o preço da passagem fosse a solução para todos os problemas relacionados à qualidade do transporte público no país. Quero crer que tenha sido porque tem muita coisa para protestar ainda.

Não sou contra os protestos. Desde que sejam pacíficos. Desde que não se resuma a qualidade do transporte público à simples redução da tarifa. Desde que as promessas não sejam furadas, sem atitudes.

Protestos ou pretextos levantaram pautas, denunciaram descasos e corrupção. Agora, que se leve a sério no Brasil (manifestantes e governo) a questão complexa que envolve a qualidade do transporte público.

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