Cidades suspensas: você teria coragem de viver assim?
Por mais que possa parecer, esse texto não fala sobre ciclismo, mas sobre velocidade. O amigo leitor já vai entender porque. Post de Rodrigo V. de Souza.
Não ELEVE suas expectativas! Por mais que possa parecer, esse texto não fala sobre ciclismo, mas sobre velocidade. O amigo leitor já vai entender porque. Mas não tão rápido…
Sou um grande defensor do uso da bicicleta não só como lazer, mas para o transporte diário. Quem acompanha meu trabalho já pôde perceber isso em outros textos. No entanto, ainda me considero um iniciante no mundo do pedal, pois não me sinto seguro para encarar certos desafios que a vida de ciclista impõe. Como, por exemplo, quando um vizinho, pai de uma amiguinha da minha filha, Isa, me convidou para pedalar com as meninas até o Parque Marinha, um parque a aproximadamente uns 7 km de casa. Meu receio não é nem pela distância, mas sim pelos 2 primeiros km que não contam com ciclovia ou ciclofaixa. Embora eu esteja acostumado com o trajeto, acho perigoso para a minha filha de apenas 7 anos.
Ou então, quando meu compadre me convidou para uma pedalada de 70 km, aproximadamente, até uma cidade próxima. Novamente, não temi pela distância, mas pelo trajeto que seria feito por uma rodovia, na qual a velocidade máxima permitida é de 100 km/h. Uma coisa é se aventurar pelo trânsito do perímetro urbano, onde os veículos trafegam a 60 km/h (pelo menos deveriam…). Outra bem diferente é pedalar com carros, caminhões e ônibus passando a 100 km/h ao seu lado!
Pensando nisso, achei extremamente interessante essa solução, inaugurada em 2017 na cidade de Xiamen, na China.
Visando inspirar e despertar o conceito de sustentabilidade nos moradores, o percurso suspenso a 5 metros do chão, que pode ser acompanhado pelo vídeo a seguir, também funciona como passarela de pedestres e tem 8 quilômetros de extensão, tronando-se a maior ciclovia elevada do mundo.
A obra impressiona não apenas pela sua grandiosidade, mas também pela segurança que transmite aos usuários. No entanto, embora pareça uma ideia extremamente inovadora, se pensarmos bem, o conceito não é nenhuma novidade. E, no caso, não estou me referindo às nossas já conhecidas (porém pouco utilizadas) passarelas… deixe que eu contextualize e explique minha afirmação.
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Recentemente, assistia a uma palestra do meu grande amigo e colega Marcelo Madruga, na qual ele, perspicazmente, fazia uso do gráfico abaixo, comparando o impacto de um atropelamento com o de uma queda de altura.
A partir dessa análise, é possível imaginar um cenário que, por mais absurdo que possa parecer, já faz parte das nossas vidas há pelo menos meio século e a maioria das pessoas parece não se importar.
Nesse cenário que negligencia a segurança da grande maioria em detrimento de uns poucos mais privilegiados, você, que assim como eu, é iniciante no ciclismo, sentiria-se seguro pedalando numa ciclovia elevada?
Naquela chinesa do vídeo obviamente que sim! Mas se ao invés de 5 metros essa ciclovia tivesse aproximadamente a altura de um prédio de 5 andares? E sem uma grade de proteção ou parapeito sequer?
E você que é pai, como eu sou, sentiria-se tranquilo em mandar seus filhos todos os dias para a escola, atravessando ruas por passarelas com a mesma altura e as mesmas condições de segurança? Brincaria com eles numa pracinha ou jogaria bola numa quadra que ficasse no terraço de um prédio de 4 andares sem nenhuma proteção?
Ainda que muitos condutores e pseudo estudiosos da área da mobilidade esbravejem quando se fala em redução de velocidade em perímetros urbanos, afirmando ser a velocidade de 60 km/h uma velocidade segura e, muitas vezes, até defendendo o aumento desse limite, é nesse cenário absurdo que convivemos, pedestres e ciclistas, jovens e idosos, diariamente.
Suspender, seja ciclovias, passarelas ou mesmo vias de determinados modais pode, em primeira análise, parecer uma alternativa segura, pois impede a disputa de espaço entre partícipes com velocidades e, principalmente, fragilidades distintas. Entretanto, é uma medida que reforça a segregação de modais, quando o ideal (talvez utópico) seria que todos os usuários pudessem dividir o espaço público de forma harmônica e justa.
Concluindo, é preciso analisar o termo “suspenso” desse tipo de cidade, não apenas no sentido de sustentado do alto, pendente, pendurado ou elevado; Mas também no sentido do que se interrompeu temporária ou definitivamente; adiado, cancelado. Diante do paradigma do direito a uma mobilidade digna e segura, seria exagero afirmar que grande parte da população já vive há anos em CIDADES SUSPENSAS? É esse tipo de cidade que gostaríamos de deixar para os nosso filhos?