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12 de dezembro de 2024

Histeria


Por Rodrigo Vargas de Souza Publicado 26/01/2018 às 02h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h16
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Histeria no trânsito.Foto: Freeimages.com

O ato de transitar acontece, impreterivelmente, em um espaço público. No entanto, como afirma o teólogo Clodovis Boff, na nossa sociedade reina uma mentalidade que dificulta a criação de uma Ética pública consistente. Segundo ele, isso se expressa através de duas situações bastante comuns na minha prática diária, as quais ele denomina de o ethos autoritário e a filosofia do “jeitinho” ou o famoso “jeitinho brasileiro”.

Ethos, na sociologia, significa em síntese o conjunto de hábitos e valores éticos que constituem uma determinada comunidade. Na nossa sociedade, quando se fala em ethos autoritário logo lembramos expressões do tipo “você sabe com quem está falando?”, “para os amigos tudo, e para os inimigos a lei” e “quem pode, pode” – restos da mentalidade escravagista  ou “Casa-Grande e Senzala”, como aponta Boff. No meu cotidiano de trabalho frequentemente me deparo com situações que envolvem tais tipos de expressões, que revelam o relativismo de valores sem tamanho. É comum ouvirmos dos condutores “quando é para multar, botam um azulzinho em cada esquina, mas quando precisamos deles não encontramos nenhum!”.

Ainda mais comum é encontrarmos algum “amigo íntimo” do diretor-presidente da EPTC, órgão gestor do trânsito e transporte da capital gaúcha. Por vezes, chego a pensar que esse talvez seja o homem mais sociável e bem relacionado de Porto Alegre atualmente. Seja em qual for a situação, seja para tirar vantagem, intimidar ou até como forma de identificação, não raro ouvimos algum condutor dizendo a famosa frase “eu sou amigo do ‘Fulano’!”. Como se o fato de ser amigo do diretor-presidente do órgão de fiscalização de trânsito justificasse qualquer imprudência ou deslize.

Quando se fala em “jeitinho brasileiro”, sobretudo em um contexto de fiscalização de trânsito, naturalmente a primeira coisa que isso nos faz pensar é em suborno. Entretanto, uma cena (no sentido mais amplo da palavra) que vivi permanece na minha mente de forma memorável.

Em uma situação de blitz, abordei um cidadão que, estando com os documentos do carro atrasados, após discutir, reclamar, reivindicar, solicitar, pedir, implorar e ver que nenhum outro artifício faria que seu veículo não fosse guinchado, resolveu usar de seus dotes artísticos e improvisar. Estando já presente um público razoavelmente grande devido ao alvoroço por ele criado, julgou ser a oportunidade perfeita para escapar e ainda imbuir-se do papel de vítima simulando uma crise convulsiva.

É claro que quando afirmo que foi uma simulação faço isso de forma respaldada. Não seria tão leviano de negar a gravidade de um evento desses se ele não tivesse sido atendido por uma ambulância no local que, diga-se de passagem, afirmou o mesmo. Muito embora eu já tivesse anteriormente presenciado uma crise epilética e, pelo que observei, aquilo pode ter sido qualquer outra coisa, menos isso.

Resolvi denomina-la de “crise histérica”. Segundo a Psicanálise, a histeria é uma neurose complexa caracterizada pela instabilidade emocional. Os conflitos interiores manifestam-se em sintomas físicos como paralisia, cegueira, surdez, etc. Pessoas histéricas, predominantemente do sexo feminino, frequentemente perdem o autocontrole devido a um pânico extremo. Foi intensamente estudada por Charcot e Freud.

Se o que caracteriza a histeria é a instabilidade emocional, não é possível pensar em uma sociedade histérica? Em tempos de depressão e mal-estar na civilização nada como revisitar a boa e velha histeria.

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