Processo dados, logo existo
A imagem da subjetividade humana que tem se sobressaído em nossa cultura é aquela que nos foi legada pelo pensamento cartesiano do cogito, ergo sum (penso, logo existo), onde a figura de um sujeito pensante, racional e reflexivo é considerada como a origem e o centro do pensamento e da ação na modernidade. Essa mesma racionalidade humana foi testada (e por que não dizer contestada) por diversos filósofos ao longo da história através de dilemas morais e éticos como, por exemplo, o conhecido O Problema do Bonde (the trolley problems), proposto em 1960 pela filosofa britânica Philippa Foot.
Nele, um bonde está fora de controle em uma estrada. Em seu caminho, cinco pessoas amarradas nos trilhos. Felizmente, é possível apertar um botão que encaminhará o bonde para um percurso diferente, mas ali, por desgraça, se encontra outra pessoa também atada. Você apertaria o botão?
Dilemas como esse, propostos ao longo dos anos, têm animado discussões morais, éticas e filosóficas. No entanto, a partir dos constantes avanços tecnológico, sobretudo nas áreas da robótica e da inteligência artificial, tais dilemas encontram-se em vias de sair do campo filosófico e se tornarem realidade, a ponto de que algumas reflexões se façam (novamente) necessárias. E falando em vias, esse é, inegavelmente, outro âmbito no qual a tecnologia tende a nos beneficiar: o trânsito.
Os veículos autônomos são um exemplo concreto de como a tecnologia pode beneficiar a mobilidade humana futuramente. Alguns fatores motivam companhias automobilísticas, indústrias tecnológicas e o setor acadêmico a investir no desenvolvimento dos autônomos: o primeiro, e talvez mais importante, seja a segurança. Estima-se que a substituição da percepção e do julgamento humano por sensores e sistemas de inteligência artificial poderia diminuir em até 90% os acidentes de trânsito. Bem como a redução da poluição. Existem estudos que apontam que essa tecnologia geraria uma diminuição de cerca de 80% de gases poluentes. Outro ponto importante para a mobilidade diz respeito à possibilidade de acabar com os congestionamentos, já que esses veículos possuirão sistemas de intercomunicação. E, por fim, todos os fatores anteriores nos levam a um último: qualidade de vida.
Um dos maiores escritores da Ficção Científica, o russo Isaac Asimov, em meados do século passado, já havia criado três princípios que ficaram amplamente conhecidos como Três Leis da Robótica, que diziam:
- Primeira Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
- Segunda Lei: Um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.
- Terceira Lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei.
Mais tarde Asimov acrescentou a “Lei Zero”, acima de todas as outras: um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal.
Entretanto, a tecnologia dos carros autônomos enfrenta fortes entraves morais e éticos. Por exemplo, como o carro deve ser programado pra agir caso esteja diante de um acidente inevitável. Ele deve minimizar o número de vítimas fatais, mesmo que isso signifique sacrificar os ocupantes do carro? Obviamente o objetivo aqui é diminuir o número de vítimas fatais, mas o software precisa decidir quem ele vai, eventualmente, matar. Tirar a vida de duas pessoas é melhor que tirar a vida de dez. Certo? Ou não?
Dessa forma, um grande número de pessoas ainda se mostra contrárias à utilização de carros autônomos, até que esses dilemas sejam solucionados. Enquanto isso, o trânsito segue poluindo, estressando, tomando tempo e matando. Não duas nem dez, mas milhões de pessoas. Se organismos dotados de inteligência artificial têm a capacidade de aprender novos conhecimentos, quem sabe a próxima lição que devemos transmitir a eles seja a de, assim como nós humanos, vez ou outra, infringir algumas leis???