08 de novembro de 2025

Vivendo em negação


Por Rodrigo Vargas de Souza Publicado 15/08/2020 às 18h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h01
Ouvir: 00:00

O comportamento negacionista não é novidade na nossa sociedade. E no trânsito ele aparece há tempos. Leia o post de Rodrigo V. de Souza.

NegaçãoFoto: Divulgação Autor

A mente humana é um maravilhoso labirinto que desafia toda e qualquer lógica. Embora seja um conceito abstrato, diversos pensadores filósofos e cientistas buscaram formular estruturas teóricas no intuito de torná-la mais compreensível. Dentre elas, talvez a principal seja a teoria psicanalítica, que teve Freud como um dos mais conhecidos estudiosos.

Dentre as diversas teorias psicanalíticas formuladas por ele, gostaria de me ater aos mecanismos de defesa do ego, que são estruturas psíquicas criadas a nível inconsciente ou subconsciente, que tem por finalidade proteger a integridade do ego diante de situações ameaçadoras. São vários os tipos e funções dos mecanismos de defesa, entretanto, como o próprio título faz crer, irei dedicar algumas linhas sobre um em específico.

A negação é um mecanismo de defesa através do qual o indivíduo, de forma inconsciente ou subconsciente, não se permite tomar conhecimento de algum desejo, fantasia, pensamento ou sentimento pela incapacidade psíquica de suportá-lo. Ou seja, a realidade é fonte de tamanha ansiedade e sofrimento psicológico que a pessoa prefere negá-la que aceitá-la.

Ainda que esse conceito possa trazer consigo uma conotação negativa, até certo ponto esse mecanismo de defesa pode ser saudável.

Costumo usar como exemplo a consciência da iminência da morte. Se a cada amanhecer, enquanto estivéssemos nos espreguiçando, tomássemos consciência da infinidade de maneiras diferentes que temos de perder a vida durante um dia normal e corriqueiro de nossas vidas, sequer sairíamos da cama.

Obviamente que isso não nos imbui instantaneamente do “mito da imortalidade”, mas dá a mente condições para que elabore seus temores e se adapte.

No entanto, não é o que parece estar acontecendo com uma significativa parcela da população. Parcela essa que parece viver em total e completa negação.

Isso fica ainda mais evidente nos atuais tempos de pandemia pelo qual estamos passando. Embora ainda no meio do inverno, basta que um final de semana de sol e temperatura amena se apresente para lotarem as praças e parques da cidade, onde muitos, inclusive, sequer estão de máscaras, sem ao menos considerarem o risco de contaminação e os avisos de lotação acima dos 90% das UTIs do município.

Mas esse tipo de comportamento negacionista, infelizmente, não é novidade na nossa sociedade.

Quem trabalha especificamente com o trânsito já conhece de longa data o famoso “não dá nada” que se instalou no comportamento do condutor brasileiro. São simplesmente reflexos de uma sociedade que encontra cada vez mais dificuldades em determinar o que é ou não real, que padece de sintomas como delírios (convicção em falsas crenças) e alucinações (ver ou ouvir coisas que outras pessoas não veem ou ouvem) e idolatra discursos incoerentes e comportamentos inapropriados. Coincidência ou não, eu acabo de descrever alguns dos principais sintomas de um dos mais graves distúrbios da mente: a psicose.

Rodrigo Vargas de Souza

Sou formado em Psicologia pela Unisinos, atuo desde 2009 como Agente de Fiscalização de Trânsito e Transporte na EPTC, órgão Gestor do trânsito na cidade de Porto Alegre. Desde 2015, lotado na Coordenação de Educação para Mobilidade do mesmo órgão.Procuro nos meus textos colocar em discussão alguns dos processos envolvidos na relação do sujeito com o automóvel, percebendo a importância que o trânsito, espaço-tempo desse encontro, vem se tornando um problema de saúde pública. Tendo como objetivos, além de uma crítica às atuais contribuições (ou falta delas) da Psicologia para com a área do trânsito, a problematização da relação entre homem e máquina, os processos de subjetivação derivados dessa relação e suas consequências para o trânsito.Sendo assim, me parece urgente a pesquisa na área, de forma a se chegar a uma anuência metodológica e ética. Bem como a necessidade de a Psicologia do Trânsito posicionar-se de forma a abrir passagem para novas formas heterogêneas de atuação, que considerem as singularidades ao invés de servirem como mais um mecanismo de serialização das experiências humanas.

Comentar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *