A importância de dados abertos para a tomada de decisão sobre segurança viária
Lidar com recursos limitados sempre foi um desafio para as gestões municipais, sejam eles materiais, humanos ou financeiros. Em diversas situações, os objetivos propostos extrapolam o orçamento anual, seja por queda de arrecadação ou aumento de gastos. Com isso, os governos precisam priorizar certas atividades em detrimento de outras. O grande desafio é definir o que, de fato, é prioritário para o momento. Que problemas são mais graves, urgentes e recorrentes que merecem prioridade na alocação de recursos?
Quando tratamos do sistema de trânsito, os critérios para a definição das obras/intervenções a serem realizadas nem sempre são claros e por vezes são determinados por questões políticas. Registros públicos sobre diversos componentes podem colaborar para que o município tenha conhecimento mais quantitativo sobre seus principais problemas, permitindo uma melhor priorização para a tomada de decisão.
Com o objetivo de contribuir com a sociedade e o poder público, bem como direcionar suas ações, a Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (Cicloiguaçu) analisou os óbitos de ciclistas em Curitiba através do banco de dados do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC). Tal análise identificou maior concentração de mortes na região sul da cidade (Figura 1) – o que motivou a priorização das ações da associação junto àquela região através de critérios mais bem definidos, evitando que impressões particulares fossem o único elemento para tomada de decisão. As principais medidas a serem tomadas a partir de então são: passeios técnicos na região, divulgação junto a conselhos e instituições do problema, sugestão de novos locais para implantação de áreas acalmadas, e proposta de soluções de tráfego em hotspots (zonas de alta concentração de colisões).
Um exemplo de parceria efetiva entre entidades municipais, academia e sociedade civil organizada, na linha de atuação que a Cicloiguaçu está propondo, ocorreu em Boston (EUA). Lá, entidades do município, incluindo o MIT e a União de Ciclistas de Boston, identificaram diversos hotspots ao analisar a distribuição espacial de óbitos e ferimentos de ciclistas. Em resposta, tais regiões foram priorizadas pela administração municipal, caso da Avenida Commonwealth, que teve suas intersecções pintadas de verde – indicando cruzamento de ciclista – e sua sinalização aumentada – através da instalação de placas e refletores (Figura 2).
No Brasil, para mudarmos o paradigma das altas taxas de mortalidade no trânsito, precisamos também mudar a forma como conhecemos o trânsito. Precisamos de dados. Esses dados tratados, se transformam em informação. A informação analisada se transforma em conhecimento. Este, por sua vez, é o que dá base à tomada de decisão. Ou seja, a tomada de decisão deve ser baseada análise de dados e informações (Figura 3)!
Alguns registros de dados que podem contribuir na tomada de decisão:
- Contagem volumétrica de tráfego (automóveis, ciclistas, pedestres, etc.
- Dados de colisões (com ou sem óbitos)
- Vias com maior número de infrações
- Regiões de congestionamentos
- Entrevistas
Levando em conta critérios de priorização, listamos abaixo como a Cicloiguaçu acredita que o processo de tomada de decisão de obras e interferências viárias pode ser aprimorado.
1º – Coleta de dados
Pelo fato do tema da ciclomobilidade ainda ser recente e pouco institucionalizado nos municípios brasileiros, ainda existe pouca informação registrada e de fácil acesso. Carecemos não só registros de longo período (superiores a 5 anos), mas também um sistema de monitoramento mais padronizado e integrado – em que diversas entidades possam contribuir para torná-la mais completa e confiável.
Aumentar as variáveis de registro das colisões também pode ser importante a depender do objetivo, como a inclusão de informações sobre ‘tipo de via’, ‘causas’, ‘intensidade dos ferimentos’, ‘condições de tempo’, ‘intensidade de tráfego do momento’, ‘grau de embriaguez’, etc. Além disso, os dados brutos devem ser fornecidos em formatos adequados para análise (.csv ou .xls, por exemplo) – evitando que sejam disponibilizados em formato de difícil manipulação (.pdf ou imagem, por exemplo).
Os dados coletados devem ajudar a responder perguntas como:
- Quais são os tipos de ferimentos advindo de colisões com ciclistas?
- Qual o perfil das pessoas feridas?
- Quais as circunstâncias que mais favoreceram as colisões?
- Quais regiões da cidade têm maiores índices de óbitos e ferimentos?
- Quais políticas e ações têm maiores chances de reduzir a severidade das colisões?
2º Análise de dados
Existem diversas maneiras de se analisar dados. Aqui métodos estatísticos são bem vindos. Porém, análises simples já podem resultar em grandes respostas para as perguntas listadas acima. Segundo o método cartesiano, identificar proporções de pareto nos leva a compreender padrões de comportamento dos dados. Por via de regra, em grandes bases estatísticas, 20% das causas são responsáveis por 80% do problema. Encontrar estes padrões de repetição oferecerá aos agentes a oportunidade de reduzir custos e causar grandes impactos no aumento da segurança viária.
No caso da Cicloiguaçu, está sendo avaliada a possível relação entre ‘tipo das vias’ e ‘óbitos’, a fim de identificar se em vias expressas (rodovias federais, por exemplo) há uma maior concentração de mortes quando comparado com as demais tipologias. A identificação desses padrões, segundo o quadro apresentado acima, resulta na construção de informação.
3º Produção de conhecimento
Os dados analisados são apresentados e discutidos em relatórios técnicos – o principal produto em que é registrado o conhecimento. Por exemplo, através da ponderação do “número de mortes por km” de vias, a Cicloiguaçu pôde concluir que no eixo de transporte sul de Curitiba, nas avenidas República Argentina e Winston Churchill, existe uma relação de ‘mortes/km de via’ 25 vezes superior do que nas outras vias da cidade.
4º Tomada de decisão
Por fim, para a tomada de decisão, é importante que o conhecimento seja amplamente divulgado entre todas as partes interessadas. Amplos debates entre setores do poder público e da sociedade civil são importantes para o esclarecimento e a mudança de paradigmas. A Cicloiguaçu, neste sentido, tem se aproximado da Superintendência de Trânsito de Curitiba (Setran) e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), a fim de manter o diálogo e de propor formas de cooperação.
Em muitas capitais brasileiras, os movimentos cicloativistas têm se apresentado cada vez mais organizados, uma vez que somente a atuação política não é suficiente para convencer o poder público a implantar políticas de ciclomobilidade. Nesse sentido, a Cicloiguaçu trabalha com o desafio de promover estudos técnicos de relevância e intensificar vínculo com a academia, para que tenha fundamentos em suas propostas e possa assim influenciar os gestores públicos e técnicos na mudança de rumo do planejamento urbano.
João Pedro Bazzo e Felipe França Silva – Cicloiguaçu.