Celular pra quê? – II
Começaram a pipocar números de pesquisas e autuações que reforçam a necessidade de olharmos para este problema de forma mais cuidadosa. Em terras paranaenses, dirigir fazendo uso de telefone celular já é a sexta infração de trânsito mais cometida (DETRAN/PR, dados divulgados ontem).
Todos os comportamentos inadequados no trânsito como beber e dirigir e exceder os limites de velocidade, guardam uma justificativa em comum: “eu sei que não é certo, mas eu consigo fazer; os outros não podem ou não devem fazer, mas comigo é diferente”. Para justificar o uso de celulares e smartphones ao volante, esses mesmos argumentos são utilizados de forma sistemática, inclusive por aqueles que calam: são crenças consistentes, já arraigadas. Difíceis de mudar.
Esse fenômeno é especialmente forte em relação ao celular. Poucas tecnologias entraram em nossas vidas de maneira tão rápida e invasiva. A expressão “extensão do corpo”, já muito aplicada em relação aos veículos, ganha outro brilho em relação aos celulares e smartphones. É chocante pensar como nos permitimos tanta dependência em tão pouco tempo: até meados da década de 1990, o acesso a tal tecnologia estava restrito aos livros e filmes de ficção científica. E vivíamos muito bem daquele jeito.
Passamos do ponto? Não exatamente. As utilidades destas tecnologias são inquestionáveis. O problema está mais no uso do que na tecnologia, propriamente. Como tudo. Penso que estamos numa fase de transição. Abrir mão das possibilidades de comunicação e dos serviços proporcionados pela moderna telefonia móvel seria um desperdício. Mas usá-la de qualquer jeito, como temos feito, permitindo que ela roube dos usuários do trânsito atenções indispensáveis para a segurança, é um problema grave que demanda soluções criativas e efetivas.
Ligação via bluetooth e sistema de som do carro, não pode (pela lei brasileira). Mas convenhamos: é bem menos pior do que o aparelho na mão do condutor. Ler e digitar textos enquanto dirige – Deus nos livre! – poderia ser substituído por transformar texto em voz (Siri, Cortana, Google Now e soluções de softwares similares). Seu uso sempre será limitado, mas alguns avanços tecnológicos poderiam lhe atribuir um nível mínimo aceitável de segurança.
Para isso, a legislação precisa ser alterada. O uso de celular ao volante está, inexplicavelmente defasado em relação à sua importância para a segurança: dirigir com a CNH vencida, por exemplo, é infração gravíssima, mas falar ao celular enquanto dirige é apenas média. O potencial de risco para a segurança, entre um e outro, é escandalosamente diferente e incomparável.
Aliás, aplicar a regra atual é um dos maiores exemplos de fiscalização próxima do impraticável. Ligação telefônica no viva-voz é quase impossível de ser percebida pelo agente de trânsito. Nossa lei é de1997, quando existiam apenas uns 4 milhões de aparelhos ativos: hoje são mais de 280 milhões! Além disso, a tecnologia evoluiu muito e recursos antes restritos aos computadores hoje estão conosco em qualquer momento e lugar.
Simplesmente proibir não está resolvendo. O conflito que todos vivemos de ter poderosos recursos à mão, mas não podermos utilizá-lo naquele momento, gera uma grande agonia. A perda de tempo no trânsito, por exemplo, é um reforço poderoso no apelo para utilizarmos o celular, mesmo conscientes da proibição. O mundo está cada vez mais rápido, mas o trânsito está cada vez mais lento. Quase não dá para aguentar essa situação. A maioria não suporta e cede à tentação de usar o celular ao volante.
Há muitas propostas e projetos de lei para tornar essa infração gravíssima. Acompanhemos os próximos capítulos.
Já tratei deste assunto no artigo “Celular pra quê?” aqui no Portal.
Hoje cedinho participei do Bom Dia Paraná (RPCTV, Globo) e falei sobre este assunto.