O bom e o ótimo no exame toxicológico para motoristas
Aprendemos nos últimos anos que distanciar os condutores de substâncias que alteram as capacidades mínimas para uma condução segura é indispensável. Declaramos o álcool inimigo número 1 do volante. E o fizemos com veemência determinando tolerância zero. ÓTIMO! Álcool e direção são mesmo completamente incompatíveis e nossa lei deve refletir isso.
Mas apesar de alguns resultados regionais muito bons, como a Operação Lei Seca no Rio de Janeiro, o que vemos é que arrochar a lei, por si só, não resolveu o problema. Nem vai resolver, por mais redondo que seja este ZERO absoluto.
Bem que poderíamos ter declarado esta guerra aplicando os parâmetros que já estavam estabelecidos antes da Lei Seca, os seis decigramas por litro de sangue. Ao invés de fazer o que tinha que ser feito primeiro – fiscalizar e punir efetivamente cumprindo o que já era lei – parece que optamos por apostar que assustar os condutores seria mais eficiente do que fiscalizá-los.
Pessoas que costumam beber e dirigir estão sempre avaliando os riscos de fazê-lo. Mas não por temerem os acidentes: eles avaliam é os riscos de serem pegos numa blitz. Afinal, é o que importa para quem está neste nível de (falta de) cidadania, pessoas que não percebem riscos, que nunca foram efetivamente educados para o trânsito, etc.
Um velho ditado diz que o ÓTIMO é inimigo do BOM. Neste caso, o bom seria fazer valer a regra. A que já tínhamos seria suficiente se devidamente aplicada. Não. Preferimos tornar a regra ainda mais rigorosa. Porém um limite mais rigoroso exige uma fiscalização proporcionalmente mais rigorosa. Essa parte nós não fizemos. Espero estar errado, mas os efetivos de agentes e equipamentos disponíveis não acompanharam o aumento da frota de veículos em circulação. Ou seja, o ótimo virou mesmo inimigo do bom: o infrator, ou potencial infrator, fica com a impressão de que há mais ameaças do que blitz. Como o risco de ser pego importa mais do que uma eventual punição… Já sabe, né?
Alguém poderia dizer que uma punição exemplar pode ser poderosamente inibidora, servindo de exemplo para os outros. Sim, pode. Mas cadê?
Temos falhas incríveis neste quesito. E o pretenso efeito educativo do castigo exemplar vira – ainda – o ridículo na forma de cestas básicas.
Ou seja, um mau exemplo.
Se temos motivos para dissociar álcool do volante, imagine então drogas mais pesadas. Temo que a exigência do exame toxicológico para condutores profissionais a partir de janeiro de 2016 (Portaria 116 do Ministério do Trabalho e Previdência) possa virar uma história parecida, que tenhamos estabelecido um nível de exigência difícil demais de ser cumprido.
O critério desta nova regra é ÓTIMO, com ampla janela de detecção, capaz de revelar o consumo de drogas há mais de 90 dias. Muito melhor do que um exame de urina, por exemplo, que está limitado a horas ou poucos dias de eficiência. Mas o BOM seria fazer “alguma coisa”, já que até agora não temos nenhuma ferramenta eficaz para dissociar anfetaminas, cocaína, maconha e sabe-se lá mais o que, da boleia de caminhões, caretas e ônibus.
O condutor profissional precisa exercer seu ofício com todas as suas capacidades neuromotoras, emocionais, psíquicas e físicas em ordem, sem alterações, SEMPRE. Se essa condição adequada será comprovada por um exame do fio de cabelo em algum laboratório americano ou pelo xixi, ali no laboratório do bairro, na prática, tanto faz. Desde que seja feito.
Aliás, eu queria saber o que a turma do bordão “o cidadão não pode ser obrigado a gerar prova contra si próprio” pensa dos exames antidoping do mundo dos esportes. Será que algum atleta pode se negar de fazer xixi no potinho alegando estar impossibilitado de se autorrevelar fora da regra? Acho que não.
Um exame de saliva, ou de urina – isso temos disponível por aqui – BOM e barato, rápido, aplicável ali mesmo na blitz resolveria a maioria dos problemas. Especialmente os riscos mais imediatos de acidentes por conta de “condições adversas dos condutores”. Sairíamos do NADA que temos hoje para alguma coisa prática, rápida, possível e com a vantagem de ser aplicável a todos os condutores, inclusive os “amadores”. E ao invés de uma ou outra punição exemplar, partiríamos logo para um trânsito com menos drogados ao volante.
A lei prevê o exame toxicológico só para o momento da contratação do motorista, arrancando-lhe um fio de cabelo para o tal exame – olha a prova dele mesmo contra si próprio aí, gente! E vai custar uma grana que ele não está disposto, não pode, ou não tem para gastar. O cabelo vai para os Estados Unidos (não tem mais perto, no Chile ou na Argentina?), e o resultado vai demorar um tempão para chegar aqui, possivelmente depois do tal motorista já ter sido contratado.
Claro: isso tudo se não houver adiamentos, cancelamentos ou alterações de última hora nesta nova regra. Falei sobre isso numa entrevista na Rádio Justiça, na semana passada, quer ouvir? Basta clicar aqui.