Por que mudar a velocidade máxima das Vias Calmas de 30 km/h para 40 km/h?
por Antonio C. M. Miranda*
Rumores apontam para mudanças na velocidade máxima praticada nas Vias Calmas de Curitiba. Ou seja, passando de 30 km/h para 40 km/h a velocidade máxima a ser praticada nas vias externas à canaleta. Este fato preocupa por diversas razões. A primeira delas, refere-se à segurança dos ciclistas. Sendo eles, junto com os pedestres, os entes mais vulneráveis na via pública, esta não parece ser uma boa notícia.
A Curva de Ashton demonstra, através de dados estatísticos irrefutáveis, que o aumento da velocidade máxima de 30 km/h para 48 km/h, aumenta de 5% para 45% a morbidade dos atropelamentos de pedestres e de condutores da bicicleta.
Poderiam dizer, mas o aumento seria somente de 30 Km/h para 40 km/h. Esta não é uma verdade absoluta, pois os motoristas não praticam de fato a velocidade regulamentada. Além disto, a administração pública, antes de aplicar multa, admite cerca de 7 km acima da velocidade máxima definida na via, em razão de ajustes com a precisão dos radares fixos. Isto, porque eles não possuem 100% de precisão na velocidade aferida. Assim sendo, estaríamos falando de uma velocidade máxima com 47 km/h, muito próxima do dado da Curva de Ashton.
Ainda vale observar a recente realização do programa Smart City Curitiba 2019, com forte apelo na sustentabilidade. Pois se de fato queremos uma cidade moderna, inteligente, temos de entender claramente os ensinamentos do Professor Colin Buchanan, que há mais de cinquenta anos publicou na Inglaterra seu “Traffic in Towns”, com proposições seguidas em diversos países ao longo de décadas. Ou seja: hierarquizando vias, segundo volume de tráfego e funções específicas a cumprir na área urbana; com áreas de pedestrianização; áreas de tráfego restrito; e ainda espaços especiais para circulação de pessoas e bicicletas.
É preciso entender que as Vias Calmas em Curitiba representam um avanço na domesticação do automóvel e dos seus motoristas. Representa uma chance para a vida e para a gentileza urbana. Trata-se de fazer uma cidade para as pessoas e não para os veículos motorizados.
Além disto, deve-se observar que após a implantação da Via Calma, na Av. Sete de Setembro, em Junho de 2014, não se tem notícia de morte de ciclistas nas vias adjacentes à canaleta. A par deste dado promissor, a Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu – Cicloiguaçu, em pesquisa realizada em 2018, dando sequência a série iniciada em 2013, constatou que as mulheres, antes da nova condição de operação da via, representavam menos de 6% dos ciclistas, mas no ano de 2017 já atingiam 11,79% do total de usuários da bicicleta fazendo uso da Via Calma.
Este dado é muito positivo por sabermos que as ciclistas são muito cuidadosas com sua segurança pessoal, dado serem muitas delas mães, tendo responsabilidades domésticas, além de realizar duplas e triplas jornadas fora de casa. Pois não fosse a via segura, muitas delas não pedalariam em direção ao trabalho ou ao estudo.
Para nossa tristeza o Brasil ainda continua recordista mundial em acidentes de trânsito. Com mais de 40 mil mortos/ano, os motociclistas, seguido dos pedestres, são as principais vítimas deste trágico quadro. No entanto, a tragédia não é maior em relação aos ciclistas porque muitos temem fazer uso de suas bicicletas, estando a maioria aprisionadas nas garagens, sótãos, quintais ou bicicletários de prédios. Houvesse maior segurança e infraestrutura, certamente teríamos muito mais ciclistas circulando pelas ruas. Para tanto, em muitas vias, não são necessárias ciclovias. São suficientes Vias Calmas, ciclorrotas e até ciclofaixas, desde que a velocidade seja colocada compatível com a segurança dos usuários mais frágeis.
Será desta forma que poderemos estar construindo uma cidade mais inteligente e sustentável. Mas caso haja a insistência em aumentar a velocidade de 30 km/h para 40 km/h, estaremos abdicando de um ganho recente da cidade. E esta mudança poderá daqui a pouco passar de 40 km/h para 50 km/h, depois 60 km/h, e assim ser de fato extinta a possibilidade de nos inserirmos na modernidade das nações. Pois nelas, mais do que a velocidade, o grau de civilização se mede através do respeito de vizinhança e da gentileza entre aqueles que compartilham mesmos espaços públicos.
*Antonio C. M. Miranda é arquiteto, consultor em planejamento e projetos cicloviários, co-autor de três dos manuais de planejamento de infraestrutura para bicicleta do Brasil, Conselheiro da Cicloiguaçu