Responsabilidades
Tempo bom, sol à pino, uma hora da tarde. Um carro avança na preferencial e acerta em cheio uma van escolar. A van tomba e se arrasta por metros. Crianças são arremessadas para fora. Correria, desespero, indignação. Muitas hipóteses para a causa do acidente. Falha na sinalização? Pura imprudência? O bafômetro não apontou teor etílico em nenhum dos dois motoristas. Como, então, explicar? Eu, tão surpreso quanto qualquer outro cidadão da região metropolitana da capital do Paraná, não sabia exatamente o que dizer para o repórter, vendo as imagens instantes antes das perguntas ao vivo no programa de TV. O primeiro de uma série de entrevistas que revelou, mais do que o impacto do acidente em si, o quanto a imprensa dispõe de espaço para temas de alto interesse social. Pena só haja esta atenção quando acontece uma desgraça dessas. As crianças estavam sem cinto, disse uma testemunha, no VT do pequeno monitor a minha frente. A sinalização era confusa pois recentemente inverteram a preferencial, dizia outro. De quem é a culpa? A pergunta surgia, inevitável, nas palavras do repórter. Disse o que me veio na cabeça, mistura de tristeza e indignação, exatamente o que – infelizmente – move boa parte de nosso dia a dia nesta árdua tarefa de tentar entender o trânsito, suas desgraças e as possíveis soluções. Nas quais, aliás, acredito. Com fé. Não sei responder de quem foi a culpa. De quem avançou na preferencial, claro. Porém, nem sei se há um único culpado ou mesmo se cabe fazer este tipo de análise frente a esta doença social que mata mais de 100 brasileiros todos os dias, 137, provavelmente. E que deixa feridos uns 800. Todos os dias. Mas sei que acidentes acontecem, sempre, por uma combinação de fatores. Todos evitáveis de alguma forma. E sei que nós, sociedade, não temos tido competência de gerenciar estes fatores, de controlá-los, de evitá-los. Sequer de entendê-los. Assim, a culpa é, de certa forma, de todos nós. Minha e sua, inclusive. A partir do fato que não damos a devida atenção, que não nos incomodarmos o bastante, até que tenhamos a reação adequada que canalize nossa indignação para uma ação cidadã consistente, até que digamos um não inteligente e consistente, vai continuar assim. Hoje, há três dias do acidente, ainda não sabemos com certeza o quanto a sinalização confusa contribuiu para o acidente. Mas já sabemos que aquela van não estava com o processo de autorização concluído e que havia superlotação, o que explica crianças sem cinto de segurança. E expõe a perplexidade de mães que, mesmo tendo olhado com alguma atenção antes de contratar o serviço, não perceberam todas as ameaças. Falta-nos uma certa vergonha na cara de assumirmos com maturidade, como cidadãos, que a situação é grave e intolerável. Ou, pelo menos, deveria ser intolerável. Fora as falhas evidentes como a péssima sinalização, o excesso de velocidade e a imprudência, por trás desse acidentes – e de tantos outros – estão a escandalosa falta de percepção de riscos, falta de espírito cidadão e, especialmente, de educação: educar para o trânsito é obrigação do estado! Quantos moradores daquela região tomaram a iniciativa de cobrar das autoridades uma sinalização mais adequada? Viram, perceberam, mas não fizeram mais do que, agora, depois do leite derramado, dizerem, cheios de pose: “eu sabia que ia dar nisso”.