05 de dezembro de 2025

A vida por um fio


Por Gisele Flores Publicado 25/08/2014 às 03h00 Atualizado 02/11/2022 às 20h36
Ouvir: 00:00

Vida por um fio_trânsitoVocê sabe de onde vem a expressão “vida por um fio”?

A origem dessa expressão deriva da mitologia grega, da qual surgiu a história sobre as Moiras, que eram três irmãs e deusas primordiais, chamadas Cloto, Lachesis e Atropos, que determinavam o destino dos demais deuses e também dos homens por meio da tecelagem de um fio, o qual representaria o curso da vida.

Cloto era quem dava início ao fio da vida, era a deusa dos nascimentos e dos partos. Lachesis puxava e enrolava o fio da vida na Roda da Fortuna. A ideia da roda era representar os ciclos de bonança e desaventurança, os altos e baixos que todos vivenciamos ao longo de nossa existência.

Quando começamos a andar de moto, é como se fossemos ungidos pelo tear de Cloto, temos uma longa estrada por percorrer, sem saber exatamente aonde essa estrada vai nos levar. A expectativa é a melhor possível;

A partir daí, Lachesis nos faz percorrer estradas, nos proporcionando paisagens deslumbrantes, nos integrando ao meio ambiente com suas variações de temperatura, umidade, luz e odores, mas também nos faz viver perigos. Ao fiar nossa vida pela Roda da Fortuna, Lachesis ora nos fará sorrir, ora nos fará chorar, sofrer ou penar, mas isso é viver.

Até que um dia Atropos, aquela que ninguém consegue aplacar, decidirá o fim de nossa vida com o corte de nosso fio. Uma metáfora para nos lembrarmos de quão frágil é a manutenção de nossa existência.

As moiras eram a personificação do destino. A representação de que a nossa vida já estava determinada ou que seu encaminhamento estava fora do nosso total controle. Numa aproximação contemporânea e popular para facilitar o entendimento, algo mais ou menos como o “deixa a vida me levar (vida leva eu)” de Zeca Pagodinho.

Mas o nosso destino já está traçado ou podemos fazer uso do livre arbítrio para criar nossa própria história?

Santo Agostinho escreveu uma obra intitulada “Livre Arbítrio” na qual exprime como definição que “o livre arbítrio é a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, enquanto liberdade é o bom uso do livre arbítrio”.

Já Aristóteles defendia que o caminho correto é aquele que alcança um meio termo feliz, nem pelo excesso, nem pela falta. Dizia Aristóteles que “o homem que tudo teme é um covarde, mas o homem que nada teme é precipitado”.

Atualmente, poderíamos relacionar tais conclusões com o trânsito na medida em que, se tudo der certo, aquela velocidade alucinante, aquela ultrapassagem arriscada ou aquela raspada da pedaleira na curva que fazemos com uma moto podem proporcionar o doce sabor da adrenalina, a sensação de vitória e do poder, fazer explodir o êxtase de liberdade, mas, se qualquer coisa sair errado, o arrependimento, a tristeza para os entes queridos e a alcunha de idiota será o resultado da imprudência. Dizem que um herói é um idiota que deu certo e que um idiota é um herói que deu errado.

Então será que vale mesmo a pena arriscar tanto por tão pouco, apenas alguns efêmeros momentos de auto-satisfação?

A beleza do livre arbítrio é essa, pois alguns poderão achar que sim, viver é correr riscos como se não houvesse amanhã, mas, novamente tornando aos ensinamentos de Santo Agostinho, podemos melhor perceber que o tempo presente que vivemos é um triplo presente concedido por Deus porque é um presente do passado na medida em que nos proporciona memórias, lembranças, uma história e uma preparação para o presente do presente que é este exato momento que vivenciamos em que tudo acontece e que nos tentar prever o presente do futuro, que é o quê nos enche de esperança, expectativa, enfim, de energia para continuar existindo.

No comando de um veículo, moto, carro ou bicicleta, temos a falsa impressão de estarmos controlando o nosso destino em ato simultâneo de controlar o nosso deslocamento até nosso ponto de chegada previsto, mas, por imprudência ou negligência, podemos por tudo a perder, para nós e para terceiros, se não compreendermos de forma peremptória que uma via é um ambiente de interação pública, apenas uma parte de um passeio seguro e prazeroso ou de um trajeto cotidiano, apenas um meio, não um fim em si mesmo.

Gisele Flores

Gisele Flores é comunicadora de vários veículos de comunicação e incansável ativista por um trânsito mais seguro.Formada em Comunicação Social pela PUC-RS com especialização em Gestão Pública pela UFRGS e Direção Geral de CFCs pela Faculdade IDC, já foi a única mulher a competir em campeonatos oficiais de motovelocidade no Brasil, entre os anos de 2007 e 2009.Atualmente mantém várias atividades, dentre estas o ISM - Instituto Sobre Motos, uma OSCIP devidamente registrada no Ministério da Justiça, atuante na pesquisa e ensino para a segurança no trânsito e mobilidade viária e uma escola de pilotagem segura e defensiva para empresas e motociclistas. É pilota de testes de novos produtos para fabricantes e já foi jurada para avaliação de trabalhos sobre segurança no trânsito para a Abraciclo e Sincodive-Fenabrave de Santa Catarina.Já foi idealizadora de vários projetos para uma maior conscientização e melhor educação no trânsito. Em 2011 foi nomeada Delegada, com direito a voto, nas deliberações do Conselho de Segurança para o Trânsito do Rio Grande do Sul. Frequentemente é convidada para entrevistas, como participante de mesas de debate, fóruns e paineis e palestrante como especialista no assunto motos.Por sua destacada atuação de responsabilidade social já recebeu as distinções de “Honra ao Mérito” da ABRAM (Assoc. Brasileira dos Motociclistas) em 2008 , da AMO-RJ (Assoc. dos Motociclistas do Rio de Janeiro) em 2010 e, desde este ano até hoje, recebe anualmente da AMO-RS (Assoc. dos Motociclistas do Rio Grande do Sul).

Comentar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *