Lei seca ainda não mudou comportamento dos motoristas
A Semana Nacional de Trânsito de 2013 traz novamente para o debate público a problemática da alcoolemia nas ruas e estradas do país. Segundo dados da seguradora Líder DPVAT, no ano passado foram registradas mais de 60 mil mortes no trânsito no Brasil.
Beber e dirigir sempre foi considerada uma infração de trânsito prevista na legislação brasileira. Com a Lei Seca, vigente desde 2008, a fiscalização foi intensificada e a legislação passou a impor mais respeito. Mas, fica ainda a pergunta: o comportamento do motorista mudou?
Para o sociólogo e consultor de trânsito Eduardo Biavati ainda não houve a mudança esperada no comportamento dos motoristas brasileiros. “Quando a Lei Seca entrou em vigor, tivemos uma fiscalização intensiva em vários cantos do país. Mas temos um limite logístico e operacional. É impossível realizar blitze diárias em todos os municípios brasileiros, todos os dias da semana. Não temos gente para isso e as campanhas pontuais não surtirão efeitos permanentes. Por isso, precisamos convencer os motoristas que beber e dirigir é um problema. Mas isso ainda está longe de acontecer”, analisa.
A especialista em trânsito Maria Amélia Franco, gerente de Comunicação da Perkons, explica que os jovens são estimulados desde cedo, por meio do exemplo dos pais, familiares e das propagandas a beber para comemorar e se alegrar. “Existe uma promessa de liberdade, felicidade, conquista e pertencimento presente no ato de beber implícita nas propagandas da indústria de bebidas. Os alertas para os perigos da bebida, mesmo obrigatórios, ficam num segundo plano.”, avalia.
Biavati acredita que a fiscalização intensiva, a exemplo do que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro com a implantação das blitze multidisciplinares – com diversos poderes policiais atuando em conjunto –, foi importante para a fase que ele considera inicial no processo de mudança de comportamento, mas não será possível ampliar esses resultados. “Não chegamos às demais cidades. O trabalho ainda é restrito. No Rio Grande do Sul, por exemplo, das mais de 400 cidades, só conseguimos atuar em 15. É muito pouco e não temos recursos, nem pessoal para ampliar efetivamente o trabalho”, destaca. Na opinião de Maria Amélia, é preciso ser mais claro e enfático para falar aos jovens e adultos sobre seus atos e consequências. “Beber e dirigir é ilegal, diminui a capacidade de discernir e reagir ao volante e pode causar acidentes graves, que resultam em ferimentos, sequelas permanentes e morte”, defende.
Iniciativa popular
“Quando meu filho faleceu, senti-me órfã do país que vivo. Percebi que não havia uma campanha de incentivo eficaz para alertar os jovens sobre os riscos do trânsito. Era tudo muito careta e ineficaz! A mudança de comportamento tinha que ser urgente e relevante”, lembra Diza. Foi aí que a arquiteta Diza Gonzaga criou a Fundação Thiago Gonzaga, que leva o nome do filho morto em acidente de trânsito. “Há 17 anos, quando aconteceu o acidente, não havia internet e tudo era mais difícil. Fomos trabalhando com as ferramentas que tínhamos, fizemos blitze educativas em bares e usamos bafômetros numa época em que isso nem era comum. Mas, hoje, usamos todos os meios e linguagem para que o jovem entenda a importância da vida. Queremos mudar o comportamento humano em relação ao excesso de velocidade e ao uso de bebida na direção”, destaca. Além disso, um programa inédito de formação de replicadores busca intensificar a atuação da ONG em todo Brasil. “Ministramos permanentemente cursos para novos voluntários. Temos hoje mais de 20 mil pessoas capacitadas em todo país.”, completa.
Jovens de classe alta são os resistentes à mudança
O sociólogo Eduardo Biavati participou de uma pesquisa recente com jovens, realizada pelo Detran do Rio Grande do Sul, para entender a rejeição à Lei Seca. Biavati comenta que as pessoas compreendem muito bem a necessidade da legislação e fiscalização específicas. Entretanto, isso não é o suficiente para mudança de comportamento, especialmente entre os jovens de classe social mais alta. “Verificamos que no Brasil a punição ainda é pecuniária. Não há o temor de ser pego em uma blitz pelo fato de transgredir a lei e sim pelo valor a ser pago que ficou mais alto. É claro que o jovem de classe social mais alta não sente tanto no bolso e aí se justifica a maior resistência na compreensão da mudança de comportamento”, explica. A bebida ainda está muito enraizada como um fator de felicidade e comemoração. Biavati conta que a pesquisa do Detran-RS mostrou que nos 30 dias anteriores à amostragem, boa parte dos entrevistados tinham consumido bebida alcóolica. “Essa nova fiscalização não se mostra eficaz na mudança dos hábitos de lazer do brasileiro e ainda estamos longe disso”, complementa Biavati. Maria Amélia compartilha dessa opinião. “É um longo processo de conscientização. Assim como aconteceu com o cinto de segurança, apesar do aumento do uso pela intensa campanha e fiscalização no início da vigência do novo código, há 15 anos, ainda é comum ver passageiros sem o dispositivo, mesmo no banco da frente. Continuaremos correndo risco em compartilhar as ruas com pessoas dirigindo após ingerirem bebida alcoólica, por muito tempo”, observa.
O dono de um bar de Curitiba, Paulo Galvez da Silva surpreende-se com o aumento da venda das cervejas sem álcool no último ano. “Este tipo de bebida tinha saída zero em muitos dias da semana. Raramente alguém pedia. Mas depois que se iniciou a fiscalização, vendemos diariamente. É um fenômeno interessante”, relata. Entretanto, o comerciante acrescenta que o aumento das vendas de bebida sem álcool não trouxe redução significativa no consumo da tradicional. “Muita gente continua dirigindo e bebendo, mas sinto que aos poucos vamos melhorar. Estamos chamando mais táxis para nossos clientes e isso me parece um ótimo sinal”, afirma.
Fonte: NQM comunicação