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11 de dezembro de 2024

Artigo: por que quem bebe, dirige e mata no trânsito não é preso no Brasil?


Por Artigo Publicado 27/08/2020 às 20h01 Atualizado 08/11/2022 às 21h44
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Por que quem bebe, dirige e mata no trânsito não é preso? E mais: o que significa “Lei Seca” no Brasil? Leia o artigo de Daniel Menezes, Kelber Fernandes e Marcelo Pereira

Daniel Menezes, Kelber Fernandes e Marcelo Pereira*

Lei seca_artigoFoto: Freeimages.com

Em matéria do dia 08 de agosto de 2020, o site “Metrópoles” publicou a manchete: “Motorista embriagado que atropelou e matou garis é solto pela justiça”. E é justamente nesse contexto que surge a seguinte celeuma: por que quem bebe, dirige e mata no trânsito não é preso? E mais: o que significa “Lei Seca” no Brasil?

A título de curiosidade, a expressão “Lei Seca” decorre do início do Século XX, exatamente da 18º Emenda à Constituição dos Estados Unidos de 1919, ficando em vigência por 13 anos (de 1920 a 1933).

Explico. Em fevereiro de 1917, os alemães, cientes de que as embarcações americanas levariam armas e mantimentos à Inglaterra, decidiram bombardeá-las. Por isso os Estados Unidos declararam guerra contra a Alemanha e seus aliados.

E quais as consequências?

Quanto à questão econômica, os custos foram altos, pois toda a economia dos Estados Unidos à época foi direcionada à guerra. Assim sendo, o governo americano viu-se obrigado a adotar uma política de racionamento dos alimentos, tais como o trigo e os cereais usados para a fabricação de bebidas. Já para os nacionalistas, o consumo da cerveja e do vinho era um ato antipatriótico, pois são bebidas típicas dos alemães.

Nesse contexto, o discurso dos nacionalistas ganhou força e provocou uma mobilização política, cujo objetivo era uma Lei (ato de volstead ou ato de proibição nacional) que proibisse a produção, distribuição e comercialização das bebidas com mais de 0,5% de teor alcoólico.

As operações “Lei Seca”, como são conhecidos os comandos com o fim precípuo de identificar e punir os que fazem uso de álcool enquanto dirigem, têm-se intensificado nos últimos anos, principalmente após a publicação da Lei 11.705/2008, cuja alcunha emprestou às operações.

No que pese não haver proibição da ingestão de bebidas em si, o título advém da inexistência de tolerância do consumo associado ao ato de dirigir.

No muito, o equipamento utilizado na medição, considerada a legislação metrológica em vigor, impõe uma margem de erro que deve ser considerada nas amostras colhidas.

Não por acaso, as blitz acontecem diuturnamente, numa tentativa de barrar o crescimento exasperado da violência provocada por condutores alcoolizados. Agentes de trânsito e policiais militares travam uma verdadeira guerra que parece não ter fim.

Porém, ainda assim, a sensação de impunidade permeia o ambiente social, na exata medida em que não se vê aquele que ceifou uma vida no trânsito, imediatamente, atrás das grades. Embora haja um desejo latente no seio da sociedade, notadamente para aqueles que tenham sido identificados como causadores de uma morte no trânsito, no que tange ao início do cumprimento da pena de forma automática, essa sede de justiça não se coaduna com o devido processo legal.

Considerado como uma garantia constitucional e que deve balizar todo e qualquer ato jurisdicional, na busca efetiva de responsabilização dos atos cometidos. Ainda que todas as evidências estejam presentes e que não haja dúvidas quanto à autoria do crime, a condenação só produz todos os seus efeitos após o trânsito em julgado. Ainda mais se considerarmos a recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão em 2ª instância, nos termos do art. 283 do Código de Processo Penal.

O atual tratamento, dispensado para aqueles que praticam um homicídio no trânsito estando sob influência de álcool ou de qualquer substância psicoativa que determine dependência, é disciplinado pela Lei 13.546/2017. Com esse diploma, o Código de Trânsito Brasileiro passa a prever pena de reclusão, de 5 a 8 anos, constituindo uma forma qualificada do crime previsto no art. 302 do CTB.

Outro ponto que merece ser mencionado é sobre o processo criminal, isso porque a vontade do agente delituoso é o ponto de partida para a análise do crime, sobretudo se há culpa (consciente) ou dolo (eventual).

O primeiro é localizável quando o agente assume o risco de causar o dano a terceiros, isto é, ele tem consciência de que a sua conduta tem um potencial ofensivo, e ainda assim não se importa com o resultado. Como diria a velha máxima: “eu tô pouco me lixando”. Já na culpa consciente, ele até imagina que o seu comportamento pode causar prejuízos em desfavor de outrem, mas tem a crença de que suas habilidades hão de evitar o resultado danoso.

Dessa feita a inovação trouxe para o crime de homicídio a qualificadora da embriaguez. Ainda permanece a previsão do crime na modalidade culposa e, para tal, independentemente da pena aplicada, pode haver a substituição por penas restritivas de direito (CP, art. 44). São elas: (I) trabalho aos fins de semana, em equipes de resgate dos corpos de bombeiros e em outras unidades móveis especializadas no atendimento a vítimas de trânsito; (II) trabalho em unidades de pronto-socorro de hostpitais da rede pública que recebem vítimas de acidente de trânsito e politraumatizados; (III) trabalho em clínicas ou instituições especializadas na recuperação de acidentados de trânsito; (IV) outras atividades relacionadas ao resgate, atendimento e recuperação de vítimas de acidentes de trânsito (CTB, art. 312-A).

Considerando que a substituição da pena não é automática, devem ser obedecidos os requisitos previstos nos incisos do art. 44 do CP, além, é claro, da análise do magistrado acerca do caso concreto. De tal modo, consoante a previsão de pena de reclusão, permanecendo a pena privativa de liberdade, seu cumprimento poderá ser iniciado em regime fechado.

Ainda nos desdobramentos da nova tratativa, esvai-se a possibilidade de arbitramento de fiança pela autoridade policial.

Não que o crime tenha se tornado inafiançável, mas deve-se aguardar a audiência de custódia, nos casos de prisão em flagrante. Só então, o juiz, decidirá pela concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (CPP, art. 322).

Manter o autor do delito preso preventivamente (consequentemente, sem uma condenação criminal transitada em julgado), por mais que cause revolta e sentimento de impunidade, afronta princípios constitucionais, se as circunstâncias pessoais do autuado forem favoráveis para a decretação de liberdade provisória. O efetivo cumprimento da pena deve aguardar o pronunciamento judicial e seu devido processo legal. Na prática, se não houver perigo gerado pelo estado de liberdade do autor, não há que se falar em decretação da prisão preventiva (CPP, art. 312), haja vista constituir medida a ser utilizada somente a título de exceção e não como antecipação de cumprimento de pena.

Em face dessas razões, não é forçoso concluir o porquê do motorista bêbado que mata no trânsito não ser preso.

Daniel Menezes, agente de trânsito no município de Lorena, São Paulo. Bacharel em Direito. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Faculdade de Ciências Humanas do Estado de São Paulo. Pós-graduando em Direito de Trânsito pela faculdade Legale.

Kelber Fernandes, agente de trânsito AMC/Fortaleza, bacharel em direito, pós-graduado em Gestão e Direito de Trânsito. Também co-organizador do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito – Consolidação das Infrações, 2ª Ed., autor do livro O Poder do Agente de Trânsito.

Marcelo Pereira, agente de trânsito no município de Lorena, São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas do Estado de São Paulo.

 

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